16 de janeiro, de 2025 | 08:30
Moradores que ajudaram vítimas da chuva fazem vigília 24h por temerem novos deslizamentos em Ipatinga
Matheus Valadares
Rodrigo relata a angústia vivida no dia 12, o prejuízo com os efeitos da grande chuva e a incerteza para o futuro: ''Estou num cenário de guerra, praticamente sem norte, sem destino nenhum''
Por Matheus Valadares - Repórter Diário do Aço
Moradores de Ipatinga, sobretudo das áreas mais atingidas pelo temporal no dia 12/1, como a parte alta do bairro Bethânia, ainda convivem com medo e insegurança devido à continuidade da chuva e o risco de novos deslizamentos.
Osias Souza, 63 anos, aposentado, mora na rua Turim, bem próximo de onde um talude caiu sobre uma residência, vitimando Neuza Jacinta Geraldo, de 76 anos, uma das dez vítimas fatais na cidade. Osias relatou à reportagem do Diário do Aço que ele e sua família revezam durante a madrugada para sempre ter alguém acordado, de sobreaviso, caso uma nova tragédia possa acontecer.
A gente não se sente muito bem. Na casa do meu vizinho do meu lado, o barranco já caiu, a minha ainda está segura por causa do muro, mas mesmo assim a gente não dorme, a gente tem cinco pessoas em casa, um dorme umas três horas, quatro horas, depois o outro levanta, e quem estava acordado vai dormir. Estamos sempre de vigília, passando assim a noite, e até o dia também com essa chuva, até a chuva cessar”, revelou.
Osias também disse que sua casa ainda não foi avaliada pelos órgãos competentes, mas viu que alguns vizinhos tiveram que deixar o lar devido ao risco a que o imóvel está submetido.
A minha casa não foi avaliada, mas as casas de outros vizinhos, com mais risco, eles avaliaram. Tirou vizinhos aqui de uma casa que estava muito crítica”, contou o aposentado.
O morador também afirmou que já teve prejuízos com chuva no passado, mas que nunca vivenciou algo parecido com o que aconteceu na madrugada do dia 12. Essa minha casa já caiu nesse mesmo tipo, mas foi menos chuva. Choveu 30 dias direto para ela cair e agora o que aconteceu foi com menos de 48 horas, foi coisa muito feia”, pontuou.
A madrugada do dia 12
Osias e família foram acordados pelos gritos desesperados de vizinhos durante a madrugada de domingo. Pela manhã, quando a chuva diminuiu, foi possível ver o estrago há poucos metros de casa.
Sem pensar duas vezes, o aposentado, junto de vizinhos, tentou socorrer as pessoas que tiveram casas invadidas por lama. Em uma delas estava Neuza Jacinta Geraldo, que só foi encontrada no fim da tarde daquele fatídico dia.
Os populares contaram com ajuda dos bombeiros e de uma caminhão-pipa, que auxiliou na limpeza da lama, para dar mais recursos para encontrar os corpos ainda perdidos em meio aos escombros.
Por volta das 2h de sábado para domingo, o temporal foi intenso. A gente ouviu alguns vizinhos, que estavam gritando e a gente levantou rápido e começou a chamar também por outros vizinhos. Assim que levantamos da cama os escombros das casas de algumas pessoas começaram a cair, foi caindo muro, e a terra foi e empurrou a casa da minha vizinha, a quinta casa aqui [depois da residência de Osias] e soterrou. Quando foi no domingo, às 7h, a gente já tinha chamado os bombeiros, chamado a Defesa Civil, mas eles só puderam aparecer aqui por volta das 10h, porque já tinham oito ocorrências na frente da gente. Juntamos com os vizinhos aqui e tentamos tirar a senhora, mas não conseguimos. Assim que o Corpo de Bombeiros chegou começou a trabalhar, e eles conseguiram tirar a senhora perto das 17h”, finalizou.
Socorro
Matheus Valadares
Osias e família se revezam durante a madrugada para sempre ter alguém ''vigiando'' a chuva

Quem também saiu de casa para ajudar conhecidos a escaparem dos escombros foi Rodrigo Marques, 34 anos, formado em técnico de segurança no trabalho, e morador da rua Milão, próximo à rua Turim.
Eu estava dormindo na minha casa quando recebi a mensagem do meu cunhado, onde eu tenho um lote na rua Milão. Ele chamou a gente para poder socorrer porque tinha caído um barranco e entrado água dentro da casa dele. Ele pediu para socorrer, não tinha para onde ir”, descreveu à reportagem do Diário do Aço. Eu estava subindo em tempo de ficar ilhado, alagado, correndo o risco, para ver se eu conseguia socorrer ele”, continuou.
A casa do cunhado de Rodrigo foi invadida por lama. O quarto das filhas ficou destruído e o imóvel acima precisou ser evacuado. Ia ser mais uma vítima dessa chuva”, relatou Rodrigo, ao mencionar o risco da outra propriedade ceder durante a tempestade.
O cunhado disse que havia levado as filhas para a casa mãe na sexta-feira (10) e que isso evitou que elas fossem mais duas vítimas da tragédia. Ao tentar, desesperadamente, sair de casa, que fica em um terreno íngreme, abaixo do nível da rua, ele (o cunhado, que não teve o nome revelado a pedido do entrevistado) subiu no telhado, e quase foi levado pela lama que escorria no local na madrugada daquele domingo”. O jovem acabou machucando uma das pernas e tem usado uma muleta para auxiliar na locomoção. Hoje, ele tenta junto à prefeitura fazer um cadastro e participar das ações de mitigação de danos.
Prejuízos
Rodrigo, que mora com a mãe acamada em virtude da covid, seguida de um AVC, e com o sobrinho, sonhava construir um imóvel em um terreno próximo ao do cunhado, para poder sair do aluguel. No entanto, a área foi destruída pelo temporal.
Eu até estava com um sonho de poder construir lá em cima. Eu tinha comprado o lote. Custa, a gente custa, a gente trabalha, a gente é CLT, custa comprar alguma coisa para sair do aluguel. Eu estava com o sonho de construir quando veio essa chuva. Pronto, acaba um sonho que você programa, planeja aí do nada, você com uma chuva dessa, com tempo estranho, tudo estranho. Estou num cenário de guerra, praticamente sem norte, sem destino nenhum. O que que eu vou fazer? Para onde que eu vou agora? Quem que eu vou recorrer?”, indagou ao contar que já havia comprado materiais para construção do imóvel.
Na verdade, a gente não sabe o que que faz. Não sei nem para onde ir direito, pois eu cuido da minha mãe que é acamada, ela depende de mim 100%. Tem o meu sobrinho que me ajuda e para onde eu vou eu levo minha mãe, não sei o que que eu faço. Insegurança e incerteza, né?”, finalizou.
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Gildázio Garcia Vitor
16 de janeiro, 2025 | 13:43Gilberto Gil, um dos maiores, entre os grandes da MPB, já cantou, em 1982, esta pedra, em forma de canção.
"Nos barracos da cidade
Ninguém mais tem ilusão
Do poder da autoridade
De tomar a decisão
E o poder da autoridade
Se pode, nas faz questão
Se faz questão, não consegue
Enfrentar o tubarão.".”