09 de dezembro, de 2020 | 13:27
O desperdício sai caro
João Xavier *
Ao somarmos o desperdício dos países que mais desperdiçam comida, teremos um total de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos jogados fora”Não pode lamber o prato!” Dizia, minha mãe ao me ver passando a língua para tentar sentir o gostinho do caldinho do feijão que havia no ficado. Isso traz fome pra dentro de casa menino.” Completava com tom alarmante. Acredito que muitas das pessoas que cresceram no interior, nos anos 90, já ouviram algo dessa natureza. A alimentação é um assunto que sempre me chamou a atenção. Lembro de ter acompanhado minha mãe, que era uma verdadeira alquimista na arte de cozinhar, aos cursos que eram oferecidos no posto de saúde próximo à minha casa, na cidade de Belo Horizonte.
Neles, eram ensinados como preparar sucos com cascas e sementes, receitas de bolo que estimulavam o uso integral e reduziam o desperdício e até mesmo sobremesas, deliciosas geleias com frutas em maturação máxima. Alimentação é coisa séria. Ela é responsável pelo funcionamento apropriado do nosso organismo. Contribui para os processos de cura e cicatrização de ferimentos, recuperação e resistência diante de ataques à saúde. Quem sabe não ouvimos nossas avós receitarem: toma um chazinho de boldo, sô. Para ajudar a limpar o fígado” ou, talvez, sabe o que é bom pra gripe? Um chá de gengibre com limão.” Tá com colesterol alto? Salada de berinjela! É batata!” Exemplos não faltam para justificar o papel fundamental da alimentação para nossa saúde.
Segundo informações da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura(FAO), são produzidas anualmente 3,8 bilhões de toneladas de alimento ao redor do mundo. Sendo a China e os Estados Unidos os dois primeiros maiores produtores. O Brasil é o terceiro colocado, com sua produção de 353 milhões de toneladas de alimento, principalmente: grãos, carne, frutas, hortaliças, açúcar, cacau e café. Esse número representa 9% de tudo que é produzido no mundo.
O Brasil é o quinto maior país, precedido por China, India, Estados Unidos e Indonésia. Nossa população, segundo os dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 221,8 milhões de habitantes. Logo, nossa produção poderia alimentar tranquilamente todos os brasileiros, certo? No entanto não é isso que ocorre.
Segundo o IBGE dos 7,8 bilhões de habitantes do mundo, 820 milhões passam fome. Aqui, 10,3 milhões de pessoas, isto é, 4,6% da população mundial, não têm o que comer. Por outro lado, são desperdiçadas, todos os anos, 41 mil toneladas de alimentos, só no Brasil. Ao somarmos o desperdício que nós brasileiros cometemos ao dos noves países que nos precedem na lista dos dez países que mais desperdiçam comida, teremos um total de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos jogados fora.
Este número é quatro vezes maior do que aponta a estimativa necessária para acabar com a fome no mundo. Isso mesmo. O que é descartado poderia erradicar a fome no mundo. 60% dessa quantidade é perdida na logística feita desde o campo até chegar no comércio; os outros 40% ocorrem nos estabelecimentos comerciais e nas nossas casas. A quantidade de comida que desperdiçamos é vergonhosa, mas o que isso tem a ver com você? Tudo.
Quais são os impactos desses números sobre nossas dietas? Nós, de fato, escolhemos o que queremos comprar baseados no nosso desejo por aquele alimento ou compramos aquilo que o dinheiro permite ou que está em promoção? Você já se perguntou o que ocorre com os alimentos do sacolões e supermercados? Para onde vai aquela banana amarelinha e perfeita, mas que por ter se soltado da penca não será levada por ninguém? E aquela couve, alface, abóbora que fingimos não ver estragar dentro da geladeira? Esta semana estive em um supermercado na cidade de Coronel Fabriciano para fazer compras.
Fiquei assustado com o preço abusivo das frutas que produzimos no Brasil e exportamos por um preço baixíssimo. Ao ver as maçãs, desisti de comprar. O preço da cebola estava fazendo chorar! O casamento da saladinha de alface e tomate foi abalado pelo preço deste último. Conversando informalmente com o repositor que abastecia o setor de hortifruti, perguntei quantos caixotes de legumes, frutas e hortaliças são desperdiçados todos os dias, ele relevou que não sabia, mas até aquela hora já havia retirado 8 caixotes; eram apenas 15h e o supermercado fechas às 22h.
Complementei minha pergunta para saber quantos quilos de alimentos cabem em um daqueles caixotes e ele me disse que em média 20 quilos. Em uma conta simples descobri que são jogados fora, em média, 160 quilos de alimentos por dia, 1120 quilos por semana e 4480 quilos por mês. Veja, estou analisando apenas um estabelecimento comercial.
Quais seriam os números reais se pegarmos toda a rede de supermercados, padarias, sacolões, açougues da região? E do estado? Escrevo este artigo para convidá-los à reflexão acerca desses números tão terríveis. Que tal se os supermercados abaixassem o preço dos alimentos que já não estão esteticamente perfeitos, mas que estão em condições nutricionais iguais as dos outros alimentos e, portanto, podem ser consumidos? E se ao invés de apenas irmos às compras, pressionássemos os estabelecimentos a abaixar o preço dos alimentos?
Por que pagarmos caro por um alimento que está próximo ao vencimento, sendo que se não o comprarmos ele irá parar na lixeira? Por que não nos incomodamos com o desperdício em nossas casas e vemos alimentos se perderem nas fruteiras e geladeiras? Será que os supermercados perderiam tanto assim ao baixar o preço para reduzir a quantidade dos alimentos que vão parar na lixeira?
Eles podem sim possibilitar que as pessoas em dificuldade financeira ou vulnerabilidade social possam também se alimentar com dignidade. É responsabilidade coletiva. Nós, como clientes, precisamos ser conscientes das relações sociais às quais estamos sujeitos. Se não questionarmos e cobrarmos continuaremos com o preço do limão amargando o orçamento.
* Mestre e Doutor em Linguística Aplicada e Professor do Cefet-MG Instagram: @NazareOrientadora
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Tião Aranha
09 de dezembro, 2020 | 13:53Bom texto para reflexão: enquanto de um lado joga-se fora (se desperdiça), do outro lado falta. E como falta.”