19 de dezembro, de 2025 | 07:00

O custo social do fim da Justiça do Trabalho

Miguel dos Santos *

Reprodução
''Só falta revogar a Lei Áurea'', cravou um leitor da notícia que foi publicada discretamente em alguns jornais''Só falta revogar a Lei Áurea'', cravou um leitor da notícia que foi publicada discretamente em alguns jornais

Quando parece que a política brasileira chegou ao fundo do poço, a realidade insiste em mostrar que ainda há subsolo. Em pleno século XXI, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende extinguir a Justiça do Trabalho avança na Câmara dos Deputados, revelando um projeto que ignora a história social do País e despreza a realidade do mundo do trabalho. “Só falta revogar a Lei Áurea”, cravou um leitor da notícia que foi publicada discretamente em alguns jornais nos dias anteriores.

A PEC é de autoria do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), herdeiro da antiga família imperial brasileira. O parlamentar conseguiu reunir 66 assinaturas para iniciar a tramitação da proposta, que ainda precisaria de outras 105 para alcançar o mínimo de 171 apoios exigidos pela Constituição. A iniciativa prevê a extinção da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT), classificados pelo autor como “órgãos-penduricalhos”.

O alcance da proposta não se limita à esfera trabalhista. O deputado também defende mandatos de dez anos para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com atuação restrita a temas constitucionais, além da extinção do Tribunal Superior Eleitoral e do fortalecimento da Justiça Militar. Em seu discurso, afirma buscar o “resgate das boas práticas políticas do Brasil Império”, combinando essa visão histórica com pautas neoliberais na economia e conservadoras nos costumes.

Para justificar a extinção da Justiça do Trabalho, Luiz Philippe divulga levantamentos segundo os quais o custo do sistema seria quase o triplo dos cerca de R$ 8 bilhões anuais em benefícios gerados aos trabalhadores. Também afirma que integrantes da área “não têm do que reclamar” diante de salários elevados, regalias e privilégios. Trata-se de uma narrativa que reduz a Justiça do Trabalho a números frios e ignora sua função social e constitucional.
“A iniciativa prevê a extinção da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT)”


A proposta ganha força justamente em um período marcado por grandes resgates de pessoas submetidas a condições análogas à escravidão. Não é preciso ser auditor-fiscal para compreender o anacronismo de extinguir órgãos responsáveis por julgar e fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista em um país que ainda convive com violações tão graves. Sem o MPT, ficariam comprometidas atividades essenciais, como o recebimento de denúncias, a investigação, a fiscalização e a atuação em operações de resgate.

No desenho apresentado pela PEC, varas do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) deixariam de existir. As demandas seriam absorvidas pela Justiça comum, que já opera sob forte sobrecarga. O resultado provável seria mais lentidão processual e menor acesso do trabalhador à tutela jurisdicional.

O debate se torna ainda mais sensível quando se observa a posição de parlamentares mineiros. Minas Gerais lidera, historicamente, os rankings de trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão. Há apenas uma semana, 212 pessoas foram libertadas em Itumbiara e Porteirão, em Goiás, e em Araporã, no Triângulo Mineiro, todas exploradas no plantio de cana-de-açúcar para uma mesma prestadora de serviços que atendia quatro fazendas e uma usina.

Apesar desse cenário, oito deputados federais eleitos por Minas Gerais assinam a PEC que propõe o fim da Justiça do Trabalho. São eles: Marcelo Álvaro Antônio (PL), Maurício do Vôlei (PL), Nikolas Ferreira (PL), Domingos Sávio (PL), Frederico (Patriotas), Eros Biondini (PL), Junio Amaral (PL) e Lafayette de Andrada (Republicanos).
“Minas Gerais lidera, historicamente, os rankings de trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão”


A contradição é evidente. Em um estado marcado por graves violações trabalhistas, apoiar a extinção dos principais instrumentos de proteção ao trabalhador soa como um afastamento deliberado da realidade social. A Justiça do Trabalho pode e deve ser aprimorada, mas eliminá-la significa fragilizar ainda mais quem já ocupa a parte mais vulnerável da relação econômica.

O eventual “corte de custos” defendido pela PEC pode sair caro demais para a sociedade brasileira. O preço não será medido apenas em bilhões de reais, mas em direitos suprimidos, fiscalização enfraquecida e vidas expostas à exploração. Em vez de aprofundar o subsolo do poço, o debate público deveria buscar soluções que fortaleçam a democracia, o trabalho digno e o cumprimento da Constituição.

* Economista.

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Cidadão Pagador de Impostos

19 de dezembro, 2025 | 08:44

“Há dezenas de projetos de leis que beneficiariam o povo, que daria mais segurança para a população, que estão há anos engavetados no "Congresso" e nunca andam. Aí, do nada esses crápulas colocam para andar um projeto desses. Só falta acabar com a Lei Áurea, como disse o articulista. O que será que essa gente como o Nicole e essa alteza imperial do Brasil tem contra pobres ?”

Envie seu Comentário