12 de dezembro, de 2025 | 08:00
Bloody Mary : Quando o paladar desafia a própria cultura
Abner Benevenuto Araújo Paixão *
Quando ouvi pela primeira vez que existia um coquetel feito com suco de tomate, franzi a testa e dei um meio sorriso de desconfiança. Para mim - e para muitos brasileiros - suco de tomate sempre foi coisa de cozinha, ingrediente de macarronada de domingo. A ideia de bebê-lo parecia uma heresia líquida. Durante anos, mantive essa descrença, até o dia em que o Bloody Mary cruzou o meu caminho.
Segundo a IBA (International Bartenders Association), esse coquetel leva vodka, suco de tomate, limão, molho inglês e tabasco. Nada demais à primeira vista, mas o impacto que causou em mim foi quase existencial. No primeiro gole, o mundo pareceu parar. Meu paladar travou uma batalha entre curiosidade e rejeição. Era ácido, salgado, picante e, de algum modo, equilibrado. Eu não sabia se gostava ou não - e foi justamente isso que me fez pensar.
Percebi que o problema não estava no coquetel, mas em mim. A cultura molda o gosto, e o gosto molda o julgamento. Crescemos acreditando que o bom” e o ruim” são verdades absolutas, quando na verdade são construções culturais. Nosso paladar é educado como nossa moral: com fronteiras, padrões e interditos. E aquilo que não cabe no repertório vira ameaça.
A coquetelaria me ensinou que o desconhecido não é o oposto do prazer, mas o convite à descoberta”
No Brasil, suco de tomate é estranho; na Coreia, é cotidiano. Um mesmo sabor pode carregar significados completamente opostos dependendo de onde se prova. E isso não vale só para o paladar - vale para tudo o que a gente chama de gosto: arte, estética, ideias, pessoas. O gosto é o filtro invisível através do qual a cultura enxerga o mundo.
A coquetelaria me ensinou que o desconhecido não é o oposto do prazer, mas o convite à descoberta. Que provar o que parece absurdo é o primeiro passo para entender o que nos limita. Não existe destilado ruim - existe destilado mal compreendido, mal harmonizado, mal-empregado. O mesmo vale para as diferenças humanas.
O Bloody Mary me fez enxergar que, quando o paladar se abre, a mente também se expande. Porque talvez o verdadeiro sabor da vida esteja justamente nessa mistura improvável entre o familiar e o estranho. E o que um dia nos causa estranhamento, amanhã pode ser o gosto exato do que faltava descobrir.
* Bartender da região do Vale do Aço, com experiência em bares e eventos.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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