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09 de dezembro, de 2025 | 07:00

Atestados médicos: Como resolução do Conselho Federal de Medicina redefine responsabilidades e combate à fraude

Patricia Punder *


Poucos documentos têm tanto peso social e econômico quanto um atestado médico, ele garante ao trabalhador o direito de se afastar sem prejuízo salarial, viabiliza benefícios previdenciários e influencia decisões de seguradoras, hospitais e planos de saúde. Mas quando mal utilizado, pode se transformar em porta de entrada para fraudes bilionárias que sobrecarregam empresas, distorcem o sistema previdenciário e minam a confiança na relação médico-paciente.

O Brasil convive há anos com um cenário onde falsificações e usos indevidos de atestados prejudicam o equilíbrio financeiro do setor público e privado, aumentam custos de planos e alimentam um ciclo de insegurança jurídica.

Os números sobre fraude em atestados no país são alarmantes, ainda que muitas vezes subnotificados. Segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), afastamentos fraudulentos e uso indevido de benefícios por incapacidade custam bilhões de reais anualmente. O Tribunal de Contas da União já apontou fragilidades na concessão de auxílios-doença e aposentadorias por invalidez baseadas em documentos frágeis ou manipulados.

A publicação da Resolução CFM nº 2.381/2024 marca um ponto de virada. Até então, as regras que orientavam a emissão de atestados e outros documentos médicos eram baseadas em uma norma de 2002, que não acompanhava a realidade da saúde digital, da telemedicina e das exigências modernas de privacidade e integridade.
“O Brasil convive há anos com um cenário onde falsificações e usos indevidos de atestados causam prejuízos”


A nova norma exige que o médico identifique o paciente com documento oficial com foto e CPF, reforçando a segurança do processo. Também determina que documentos digitais sejam assinados com certificado qualificado, garantindo validade jurídica e dificultando falsificações. Define informações mínimas que devem constar nos documentos, como nome e CRM do médico, contatos profissionais, endereço e data, e reforça que esses registros gozam de presunção de veracidade, mas responsabilizam civil, penal e eticamente o profissional que emitir declarações falsas ou sem a devida fundamentação.

A norma também exige uma reflexão sobre privacidade e integridade. Ao restringir o uso indiscriminado da Classificação Internacional de Doenças (CID), ela protege dados sensíveis e está em sintonia com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que considera informações de saúde altamente delicadas. Isso impõe às instituições de saúde e aos departamentos de RH a necessidade de criar protocolos claros de compartilhamento e armazenamento seguro de informações médicas, equilibrando o dever de proteger o paciente com a obrigação de manter processos confiáveis e auditáveis.

Essas mudanças não são mera burocracia. Elas dialogam diretamente com temas como compliance, governança clínica e prevenção à fraude, e criam uma camada adicional de segurança para médicos, hospitais, planos de saúde, cooperativas médicas e empregadores.

Fraudes ligadas a afastamentos custam caro e quem paga a conta é toda a sociedade. O Ministério da Previdência estima que irregularidades em benefícios por incapacidade, como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, superam R$ 10 bilhões ao ano. Grande parte desses casos começa com um atestado questionável que abre caminho para licenças indevidas.

Para as empresas privadas, o impacto vem em várias frentes. Além de bancar os primeiros 15 dias de afastamento, companhias enfrentam aumento de absenteísmo, queda de produtividade e despesas com contratação temporária ou horas extras. Estudos de associações empresariais apontam que o absenteísmo pode representar de 2% a 5% da folha anual em determinados setores e parte relevante está ligada a afastamentos médicos controversos.

Na saúde suplementar, fraudes documentais afetam o equilíbrio atuarial. Planos de saúde e cooperativas médicas relatam aumento de custos com procedimentos desnecessários ou licenças ampliadas indevidamente. Isso se reflete em reajustes mais altos para clientes e em margens de lucro mais estreitas para operadoras. Cada fraude não combatida acaba diluída no preço pago por todos os usuários.
“Fraudes ligadas a afastamentos custam caro e quem paga a conta é toda a sociedade”


A publicação da Resolução 2.381/24 inaugura uma nova era para a documentação médica no Brasil. Ao exigir rigor técnico, identidade verificada e assinatura qualificada, o Conselho Federal de Medicina (CFM) responde a um cenário onde fraudes comprometem a sustentabilidade de empresas, planos de saúde e do próprio INSS. Ao mesmo tempo, a norma valoriza a ética médica e reforça a privacidade do paciente, alinhando a prática à LGPD e às expectativas contemporâneas de governança.

Para hospitais, cooperativas médicas e planos de saúde, adotar compliance robusto deixou de ser diferencial e passou a ser requisito de sobrevivência. Quem modernizar fluxos, treinar equipes e investir em tecnologia reduzirá riscos jurídicos, protegerá seu corpo clínico e ganhará reputação de confiabilidade. Para médicos, seguir as regras é também uma forma de blindar a própria carreira. Para empresas e RHs, significa reduzir passivos e melhorar previsibilidade de custos. Para a sociedade, representa um sistema mais justo e economicamente sustentável.

Em um país onde a integridade ainda é desafiada diariamente, usar normas como a Resolução CFM 2.381/24 para construir processos sólidos é visão estratégica. Saúde e economia agradecem quando ética e compliance caminham juntos.

* Advogada e CEO da Punder Advogados.

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