05 de dezembro, de 2025 | 07:30

COP 30... Enquanto isso, nas ruas do mundo...

Paula Vasone *

Fernando Frazão/Agência Brasil

Enquanto chefes de Estado, autoridades, cientistas, organismos multilaterais e ambientalistas globais reuniam-se em Belém do Pará na COP 30, discutindo metas e compromissos climáticos, uma atividade árdua, silenciosa e invisível para muitos seguia seu curso nas ruas, becos e avenidas do Brasil e do mundo. É o trabalho das catadoras e dos catadores de materiais recicláveis. Eles não discursam, não ocupam palcos e não falam em nome de países. Mas, são, talvez, os agentes mais próximos da essência do que significa cuidar do planeta.

São mãos que recolhem o que a sociedade descarta, que transformam o lixo em vida e o descuido coletivo em sustento familiar. A atividade que desempenham, reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego desde 2002, é uma das colunas da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Ao coletar, separar, classificar e comercializar o que pode ser reaproveitado, os catadores estendem a vida útil dos aterros sanitários, reduzem a pressão sobre os recursos naturais, ajudam a conter as emissões de gases de efeito estufa e transformam em itens de valor agregado o que seria um danoso passivo ambiental.
“Há mais de 281 mil catadores atuando no Brasil, entre autônomos, cooperados e associados”


Entretanto, embora reconhecida oficialmente, essa categoria ainda vive majoritariamente à margem da formalidade. A maioria trabalha sem contrato, sem proteção social e sem os direitos que deveriam acompanhar uma atividade essencial para o equilíbrio do meio ambiente. Segundo dados da International Alliance of Waste Pickers, há mais de 281 mil catadores atuando no Brasil, entre autônomos, cooperados e associados.

No entanto, o número real pode chegar a 800 mil, já que grande parte exerce o ofício de maneira informal e não registrada. São esses trabalhadores, muitas vezes despercebidos pela sociedade, os responsáveis por 90% da reciclagem dos resíduos sólidos urbanos em nosso país, numa contribuição que movimenta cerca de US$ 5,5 bilhões em reciclagem por ano (dados de 2013).

Durante a COP, falou-se em justiça climática, em transição verde e em economia circular. Mas, justiça ambiental começa também no chão das cidades, onde a desigualdade e o lixo misturam-se. Cada saco coletado é uma afirmação de dignidade. Cada material limpo e separado é um ato político, talvez o mais concreto e diário de todos na agenda do clima.

É a história dessa gente valorosa que busco contar em um documentário que estou realizando: a de uma família da periferia de São Paulo que vive da reciclagem. A mãe, o pai e a filha percorrem as ruas com um carro antigo, recolhem materiais, enfrentam o preconceito e ainda encontram, na rotina e na fé, motivos para seguir. No sítio do interior, o sonho de cultivar a terra completa o ciclo da vida e do trabalho.
“São mãos que recolhem o que a sociedade descarta, que transformam o lixo em vida”


Essa história é, ao mesmo tempo, pessoal e planetária. Porque cuidar do planeta não é apenas plantar árvores e fazer discursos, mas enxergar as pessoas que limpam o nosso descuido. O problema do lixo é coletivo, pois nasce nas prateleiras, nas embalagens não recicláveis e na falta de consciência de quem consome. E o que para uns é resto, para outros é sustento e esperança. Enquanto os líderes discutiram metas de carbono, acordos jamais cumpridos e cronogramas de neutralidade, nas ruas do mundo continuou o trabalho dos que, com as mãos e a coragem, impedem que o lixo sem reciclagem soterre de modo definitivo a agenda do clima.

* Cineasta e escritora, é formada em Publicidade & Propaganda e tem especialização em Fotografia e Vídeo Digital pela Miami Ad School (EUA).

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