12 de novembro, de 2025 | 07:00
Fábula Feudal: O servo e o edito - Quando o senhor se volta contra o servo
Marcelo Augusto dos Anjos Lima Martins *
Era uma vez, nas terras cinzentas do Reino, um servo chamado Epicteto, homem diligente, que dedicava seus dias ao serviço do castelo do Senhor Feudal, cuidando dos registros e das contas com zelo e honra. Epicteto, embora humilde, sonhava em compreender melhor os saberes do reino, e por isso, com o consentimento do próprio Senhor, passou a frequentar a Escola dos Sábios, uma instituição fundada por decreto real para instruir os servos mais dedicados.
O Paradoxo da Ascensão - Durante anos, Epicteto estudou nas horas vagas, sem jamais abandonar suas obrigações no castelo. Nunca deixou de entregar os pergaminhos, nem de atender aos chamados do sino. Ao fim de sua jornada de estudos, foi convidado por outro feudo a assumir um posto mais elevado, e com gratidão, pediu exoneração ao seu Senhor.
Mas eis que, ao partir, o servo foi surpreendido por um édito cruel: o Senhor exigia ouro em troca dos dias em que Epicteto havia estudado - como se o saber fosse um roubo, e o esforço, uma dívida. Mesmo sem ter deixado de servir, mesmo sem prejuízo ao tesouro do castelo, Epicteto foi marcado como devedor.
A Lei ignorada - Os juízes do Alto Tribunal do Reino já haviam proclamado: Só se deve ouro ao castelo quando o servo se ausenta por completo.” Mas o Senhor, em sua ânsia de punir, ignorou o decreto e vestiu sua cobrança com o manto da legalidade. O que era injustiça virou rito, e o que era abuso virou norma.
A Morosidade que corrói - O processo contra Epicteto arrastou-se por sete invernos e sete verões. Os escribas da corte local, lentos como caracóis, deixaram que o tempo corroesse a dignidade do servo. Pior: ordenaram o confisco de suas moedas alimentares - aquelas destinadas ao sustento de sua esposa e de seu pequeno filho. O pão foi negado, o teto ameaçado, e o servo, que antes servia com honra, passou a mendigar justiça.
O Princípio esquecido - No códice antigo do reino, há um princípio chamado favor debilis, que manda proteger o fraco diante do forte. Mas os guardiões da lei, cegos pelo poder do seu Senhor, esqueceram-se do códice. Trataram Epicteto como traidor, quando na verdade era vítima de um processo kafkiano, onde a lógica se curva ao capricho do trono.
Epílogo: O Reino que se vira contra os Seus - Esta história não é apenas sobre Epicteto. É sobre um reino que se esqueceu de seus servos, que pune quem busca crescer, e que se esconde atrás de decretos para justificar sua própria ineficiência. O Senhor não apenas deve suspender a cobrança: deve ajoelhar-se diante do servo e pedir perdão.
Infelizmente, isso nunca ocorreu. E o reino sucumbiu. Pois quando o senhor se volta contra o servo, o castelo começa a ruir por dentro.
Que esta história ecoe para além dos porões, para que nenhum servo seja punido por buscar luz. E que o saber nunca mais seja tratado como crime.
* Mestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública - UFJF
Especialista em Psicopedagogia UCAM. Especialista em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e o Mundo do Trabalho - UFPI.
Pedagogo do IFMG Campus Governador Valadares
[email protected].
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