31 de outubro, de 2025 | 07:35

Mineiros foram em busca de vida melhor e acabaram vitimas do tráfico humano no sudeste da Ásia

Comissão de Direitos Humanos da ALMG debate sobre o tráfico humano no Sudeste Asiático

Audiência da Comissão de Direitos Humanos cobra repatriação do corpo de Gabriel Vieira e intervenção para libertação de Daniela Oliveira, vítimas de quadrilhas de tráfico humano internacional para o Sudeste Asiático. Foto: Daniel Protzner/ALMGAudiência da Comissão de Direitos Humanos cobra repatriação do corpo de Gabriel Vieira e intervenção para libertação de Daniela Oliveira, vítimas de quadrilhas de tráfico humano internacional para o Sudeste Asiático. Foto: Daniel Protzner/ALMG

Um grupo de pessoas que participou de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos nesta quinta-feira (30/10), no Auditório José Alencar da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), cobraram um esforço maior das autoridades brasileiras no apoio aos familiares de dois mineiros vítimas de tráfico humano no Camboja, país do Sudeste Asiático. O debate atende a requerimento da presidenta deste colegiado, deputada Bella Gonçalves (Psol).

Em comum nos dois casos, a reviravolta da transformação do sonho de uma vida melhor, graças a uma oportunidade de trabalho no Exterior, em pesadelo. No caso do técnico de informática Gabriel Oliveira de Araújo Vieira, 24 anos, de Igarapé (RMBH), o final foi trágico, com sua morte confirmada no último dia 15 de julho, no Camboja, país do Sudeste Asiático.

Já a arquiteta Daniela Marys Costa Oliveira, de 35 anos, de Belo Horizonte, está presa desde o fim de março no mesmo País, acusada de uso e tráfico de drogas após supostamente se recusar a colaborar com uma quadrilha internacional na aplicação de golpes cibernéticos em vítimas brasileiras. A família alega que a mineira foi induzida ao erro e caiu em uma emboscada.

Familiares dos dois jovens participaram da audiência e fizeram relatos emocionados. No primeiro caso, o pai de Gabriel, Daniel de Araújo Vieira, e sua mãe Leniêr Quirino de Oliveira Vieira, reforçaram o apelo pela repatriação do corpo.

No segundo, a cunhada Ana Flávia Silva Alves Pereira, além de denunciar a suposta prisão ilegal e o risco de vida para Daniela, que é um arquivo vivo do modus operandi dessas quadrilhas, cobra a intervenção mais enfática do governo brasileiro pela libertação.

Nos dois casos, conforme os relatos feitos na reunião para também alertar outros jovens na mira de criminosos internacionais e seus familiares, o aliciamento e posterior cárcere privado são quase idênticos.

Atraídos por convites para trabalhar

Os “convites” para trabalhar com tecnologia da informação e telemarketing no Sudeste Asiático são feitos em inglês via redes sociais, com promessas tentadoras de remuneração em dólar, moradia, alimentação e contratos temporários de apenas um ano. Tudo sempre cercado do pedido de sigilo para não atrapalhar a “contratação”.

O destino oficial é a Tailândia, mas o ponto final da viagem acaba sendo mesmo pontos remotos cercados pela selva do Camboja e de outros pequenos países vizinhos. Para dificultar, a Embaixada do Brasil no Camboja foi criada apenas em 2023, mas somente neste ano teve sua embaixadora nomeada para ainda começar a atuar.

Ou seja, as vítimas do tráfico lá ainda estão entregues à própria sorte. E assim que chegam já têm noção da armadilha em que se meteram, com o confisco dos passaportes, alojamentos coletivos precários, cada vez mais dificuldade em manter contato com os familiares no Brasil e a real natureza do “trabalho”: aplicar golpes e aliciar outras vítimas para viajar.
Daniel Protzner
Audiência da Comissão de Direitos Humanos cobra repatriação do corpo de Gabriel Vieira e intervenção para libertação de Daniela Oliveira, vítimas de quadrilhas de tráfico humano internacional para o Sudeste Asiático.Audiência da Comissão de Direitos Humanos cobra repatriação do corpo de Gabriel Vieira e intervenção para libertação de Daniela Oliveira, vítimas de quadrilhas de tráfico humano internacional para o Sudeste Asiático.

Busca de ajuda junto ao governo

A deputada Bella Gonçalves lembrou todos os contatos feitos com autoridades brasileiras para destravar uma solução dos dois casos. Segundo ela, isso exige uma atuação coordenada dos ministérios da Justiça e Segurança Pública e de Relações Exteriores.

No caso da repatriação do corpo de Gabriel, a última alegação deste último é a falta de dotação orçamentária, pois já estariam contemplados todos os requisitos do Decreto Federal 12.535, editado em junho último diante da multiplicação de casos.

“As famílias não precisam se sentir envergonhadas por pedir ajuda. O Estado Brasileiro é que tem culpa por não prevenir e reprimir o assédio desses jovens, não interromper a ação dessas quadrilhas, e, por fim, no caso do Gabriel, não colocar em prática um decreto de repatriação que já veio tardiamente. Parabéns aos familiares por, apesar da dor, levantar a cabeça e seguir nessa luta”, afirma Bella Gonçalves.

Mãe diz que erro do filho foi sonhar com uma vida melhor

“Nós estamos exaustos, mas não vamos desistir. Onde o amor reside, o corpo deve descansar”. Assim a mãe de Gabriel, a professora Leniêr Vieira, definiu, entre lágrimas, a esperança de ao menos realizar o sepultamento do corpo do filho no Brasil, caso não seja feita justiça por sua morte.

Em uma apresentação após um minuto de silêncio, ela descreveu o filho como um jovem trabalhador, respeitoso e carinhoso, cujo único erro foi, como tantos outros jovens, perseguir o sonho de uma vida melhor para ele e para sua família. Uma página no Instagram divulga o caso como alerta para outros pais e como reforço à campanha pelo fim dessa espera.

Segundo Daniel, o filho chegou ao destino no dia 19 de abril e fez o último contato com a família, por meio de chamada de vídeo, no dia 4 de julho, quando já relatava estar exausto com o trabalho, mas sempre evitando deixar a família preocupada.

Após acionar o Itamaraty, a próxima notícia que tiveram, no dia 15 de julho, foi o de sua morte, feita por meio de reconhecimento fotográfico em Brasília dois dias depois. A causa ainda não foi esclarecida.

“Apesar das fotos, a gente duvidou. Na ocasião, eles nos prometeram a coleta de digitais ou mesmo um exame de DNA, mas até hoje não recebemos essas provas”, lamentou pai de Gabriel.

“Estamos desesperados implorando por ajuda. Precisamos continuar nossa vida em paz. Sabemos que será sem nosso filho, mas ele merece uma passagem digna. Como vamos seguir nosso caminho sem sequer ver o corpo dele? Quero dar uma última olhada no meu filho, esteja como ele estiver”, afirma Leniêr Vieira, mãe de Gabriel.

“Já recebemos até críticas de que deveríamos ter impedido que ele viajasse, mas muitos pais não conseguem prender seus filhos quando eles querem perseguir um sonho. Até então, só ouvimos sobre trabalho escravo na TV. Nossa vida hoje está escancarada, sempre nos reconhecem em algum lugar, mas isso não importa mais. Não queremos que outros pais também passem por isso”, emendou Leniêr Vieira.

Daniela virou arquivo vivo do tráfico internacional de pessoas

Graduada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas sem conseguir engrenar uma carreira na arquitetura, Daniela foi seduzida por uma proposta de emprego para ser tradutora em ações de telemarketing. É o que contou sua cunhada Ana Flávia, ao lembrar o embarque dela no último dia 30 de janeiro.

“Logo ao chegar lá ela já estranhou a situação. Nos contatos que fez disse que levaram ela para um alojamento no meio do nada, que ela até mandou a localização. Ficava num quarto com outras cinco mulheres, teve o passaporte retido e um vigia na porta o tempo inteiro. Quando soube que teria que aplicar golpes, começou a questionar. No final de março, fez o último contato e depois uma pessoa passou a mandar mensagens se passando por ela, errando os nossos nomes”, conta.

Segundo Ana Flávia, nesse ponto já havia sido armado um flagrante com drogas nos pertences da cunhada e, no intervalo de alguns dias até que Daniela pudesse acionar a família por telefone do interior de uma prisão do Camboja, os golpistas ainda conseguiram obter R$ 27 mil reais da família diante das ameaças de que a arquiteta seria vendida para tráfico sexual de mulheres.

“Ela contou que está numa cela com mais 100 mulheres, com direito a três copos de água por dia. Temos que mandar dinheiro para ela de 15 em 15 dias, pois tudo na prisão é pago. Se quiser comer tem que pagar, se quiser mais água tem que pagar, se quiser ligar de novo tem que pagar. Até hoje está com a mesma roupa com que foi presa”, lamentou.

Sem resultados concretos

Por meio de participação remota na audiência, tanto a coordenadora-geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes do Ministério da Justiça, Marina Bernardes de Almeida, quanto a coordenadora-geral de Promoção de Direitos das Pessoas Imigrantes Refugiadas e Apatriadas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Ana Maria Gomes Raietparvar, não deram muitas esperanças aos familiares.

A primeira disse que as duas intervenções são de competência, inclusive orçamentária, do Ministério das Relações Exteriores, que não participou do debate. Mas, apesar das limitações, segundo Marina Almeida, o Itamaraty vem negociando para garantir um melhor desfecho.

O delegado Gilson Rodrigues Rosa, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Polícia Civil de Minas Gerais, sugeriu uma atuação mais presente das autoridades, defendendo que a Polícia Federal, por exemplo, faça entrevistas com jovens que vão viajar para o exterior.

Já a advogada da Clínica de Trabalho Escravo da UFMG, Shevah Ahavat, explicou que o Brasil precisa agir mais enfaticamente pois é signatário da Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Protocolo de Palermo.

A primeira trata de trabalho forçado ou obrigatório e o segundo é um tratado internacional que busca combater o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças.

Por fim, Shevah Ahavat informou que, no caso de Daniela, haverá outra audiência na justiça do Camboja no próximo dia 12 de novembro. Segundo a advogada, Daniela, até o momento, não teve direito a uma representação judicial completa e digna, apesar de o Itamaraty garantir oficialmente que busca fazer a repatriação de Gabriela para que seja julgada no Brasil.
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Comentários

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Alessandra Nascimento

31 de outubro, 2025 | 08:05

“A maioria de nós, ocidentais, não consegue entender que os Asiáticos têm uma cultura muito diferente da nossa. O sudeste asiático então é um lugar extremamente hostil para ocientais. Eles têm outra forma de ver o mundo. É um lugar para ir visitar, com uma agência e guias credenciados, entrar, ficar uma semana, tirar fotos, sentir a cultura local e sair rápido. Pense bem antes de qualquer proposta de trabalho. Sei disso porque já estive lá a turismo. A opinião deles sobre nós é assustadora.”

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