22 de outubro, de 2025 | 07:30

Quem tem medo do MST?

Antonio Nahas Junior *


Esta semana fui convidado para ir à V Feira Nacional da Reforma Agrária, organizada pelo MST- Movimento dos Trabalhadores Sem Terra -, que estava ocorrendo no Parque Municipal de Belo Horizonte e tomei um susto danado. Esperava um evento bem modesto, de alguns sem terra vendendo certos produtos. Mas nada disso. Encontrei um evento muito bem organizado, com variação de produtos; muitas barracas, rodas de conversa, lanches, diversos bens para serem vendidos e uma grande variedade de frutas, legumes, verduras.

Todos orgânicos, cultivados pelos membros do MST. E muito bem-selecionados, com ótimas apresentações e embalagens. Acabei passeando pela feira e pelas barracas, comprando algumas coisas e notei que estava entre agricultores, biólogos, veterinários; agrônomos e outros profissionais qualificados.

Minha curiosidade aumentou. Nunca me informei bem sobre o MST e gravei na mente a imagem de um movimento que se dedica à ocupação de terras. E, conversando, pesquisando, cheguei à conclusão que estava muito enganado: o MST hoje é muito mais que isto. Trata-se de um movimento com configuração econômica e política bem definida, muito bem organizado e dirigido; eficaz; que atinge seus objetivos. Está presente em 24 estados brasileiros, com uma ação transformadora da vida de muita gente.

E mais: hoje abriga profissionais muito capacitados de todos os ramos do conhecimento, que se agregaram ao movimento porque viram a possibilidade de aplicar o que aprenderam de forma produtiva, ecológica, beneficiando quem realmente precisa na nossa sociedade. Conseguem unir o exercício da sua profissão com a prática dos seus ideais.

Vamos aos fatos. O MST já reassentou no Brasil mais de 450.000 famílias... Isso mesmo: famílias. E como pelo IBGE a família brasileira hoje é composta por 2,8 membros, chegamos a um contingente de mais de um milhão e duzentas mil pessoas. Há ainda 90 mil acampadas, esperando sua vez.

Estas famílias são reassentadas em terras ocupadas pelo MST, sempre com alguma base legal, baseado em Lei Federal, que normatiza as hipóteses em que os proprietários de terras improdutivas podem ser desapropriados. Suas invasões não são aleatórias. Dão tiros certeiros.

Após o reassentamento ser aprovado e aceito pelo Governo, inicia-se um longo e profundo processo de transformação e capacitação das famílias. Forma-se em primeiro lugar uma Cooperativa de Trabalho. Nelas, todos tem os mesmos direitos pois a regra é: um cooperativado, um voto.
“A visita à feira me revelou um pedaço do Brasil que desconhecia: mesmo com um posicionamento político radical, o MST trabalha duro pelos seus reassentados”


Na feira vi produtos da Coopertrac - Cooperativa de Trabalho dos Camponeses de Minas Gerais; Cooperativa Camponesa Guaií; Cooperana - Cooperativa da Agricultura Camponesa da Região Metropolitana de Belo Horizonte; Coperuatu - Cooperativa Camponesa do Médio Rio Doce; Coopermatas, - Cooperativa do Assentamento Dênis Gonçalves, da cidade de Goiana-MG.

Notei também a qualidade dos produtos. Ficou evidente para mim que toda uma cadeia produtiva tinha sido montada: produção; colheita; armazenamento; beneficiamento dos bens; embalagens seguindo a legislação brasileira e, por último, sua comercialização.

Nada de amadorismo. Produzem para o mercado, observando as exigências dos consumidores e a legislação em vigor. E visam a sustentabilidade financeira dos assentamentos. E tudo isto sem uso de agrotóxicos; preservando as matas e florestas nativas dos assentamentos e evitando ao máximo o uso de agrotóxicos.

Fiquei muito bem impressionado sobretudo com a ação da Coopertrac, que desenvolve o Programa Popular de Recuperação da Bacia do Paraopeba. Este programa é desenvolvido na bacia daquele rio, nas áreas que foram atingidas pela ruptura da Barragem do Córrego do Feijão, que continha os rejeitos de mineração da Vale.

O MST tem uma posição agudamente crítica em relação àquela tragédia, que chamam de Crime. Mas esta concepção só lhes dá incentivo e estímulo para trabalhar duramente em prol da recuperação do rio Paraopeba. Implementaram a Rede Regional de Coleta de Sementes e do Viveiro Florestal Educador. E, como relatam, "ao longo dos anos, o grupo já identificou cerca de 200 espécies nativas, com produção de sementes florestais, agrícolas, adubadeiras e medicinais. O processo formativo incluiu troca de experiências com a redes de sementes da Bacia do Rio Doce, Vale do Paraíba e parcerias com a UFV e a UFMG."

O movimento é certificado pelo Ministério da Agricultura, por meio do Registro Nacional de Sementes e Mudas, que eu não conhecia.

Este projeto envolve mais de 300 famílias nas atividades de coleta e beneficiamento. Trata-se de um trabalho maravilhoso, combinando preservação ecológica e geração de renda e emprego.

A visita à feira me revelou um pedaço do Brasil que desconhecia: mesmo com um posicionamento político radical, o MST trabalha duro pelos seus reassentados. Melhora a vida de todos. Não fica apenas nas críticas ou culpando os outros pelos problemas que encontram. Seus participantes são trabalhadores sérios e dedicados, que honram o nosso país. Agindo assim são considerados úteis e integrados na sociedade.

* Economista, empresário. Na luta pela defesa do nosso planeta.

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