
05 de outubro, de 2025 | 07:00
O ''ministrão'' e esses nossos novos medos
Marli Gonçalves *
O Ministrão” é um daqueles botecos de esquina, sem luxo, que fica nos Jardins, Alameda Lorena com Rua Ministro Rocha Azevedo, em São Paulo, com mais mesas externas que internas, comida mais em conta em um cardápio de muitas páginas e bons e reforçados pratos do dia. Onde você sempre encontra pessoas de todas as classes sociais - todas, mesmo - e sempre muita gente, de dia e de noite. Fechado há dias: a designer de interiores Radharani Domingos ficou cega e está ainda no hospital depois de consumir no local três caipirinhas com vodca certamente contaminada por metanol.
Há anos, ali mesmo, diante do "Ministrão" ocorre uma tradição. Nas tardes do dia 24 de dezembro o Maestro João Carlos Martins desce de seu apartamento e na esquina, na rua, rege os vizinhos em alegres cantos e coro de músicas natalinas. O maestro mexe as mãos como se estivesse regendo uma Orquestra e é recebido com festa pelo grupo que já o espera no final da tarde, chegando até a fechar a rua tanta gente que aparece nesse bar e restaurante que faz parte do bairro. Teve ano até que, mesmo após cirurgia no quadril, não deixou de aparecer, inclusive acompanhado de seu médico. Agora, o medo se espalhou, e a história do local ganhou uma mancha.
Pelo menos por enquanto seguem as investigações, o Bar Ministro, que assumiu o nome Ministrão” há pouco tempo no letreiro depois de uma reforma, já que todo mundo assim o chama, está com portas arriadas, e há climão esquisito em toda a região, porque por aqui perto todo mundo conhece, já foi lá, para comer, beber, comprar cigarro, sorvete, encontrar amigos.
Comer uma batatinha ou mandioca frita, a feijoada das quartas-feiras e sábados. Meu preferido lá, aliás, é o filet à parmegiana, sempre caprichado indico quando toda essa balbúrdia terrível de envenenamento e contaminação de bebidas por metanol passar. Há de passar. Torcendo para que os contaminados consigam se recuperar e mais essa crise passe. Inclusive porque não está só aqui na esquina, mas em todo o país vêm surgindo casos e mortes.
"Fora a boataria que já afasta consumidores das mesas dos bares, põe caveiras imaginárias em todos os destilados"
Fora a boataria que já afasta consumidores das mesas dos bares, põe caveiras imaginárias em todos os destilados, e ventila outros nomes de lugares, inclusive bem sofisticados, que aparecem nas conversas, ficamos sabendo que o problema na verdade não é novo.
Que os números de falsificação de bebidas são aterradores, mas só agora mobilizam as autoridades; a diferença do momento é o metanol e o grande número de casos, inclusive com investigação de inúmeras mortes suspeitas já dias antes do assunto explodir, admitido pelo próprio Ministro da Saúde.
As perguntas se intensificam: tem PCC envolvido, como parece que agora a organização está onipresente em todos os malfeitos? O governador nega; a Polícia Federal não afasta a hipótese, e mais uma briga de versões azeda a política. O metanol foi usado para lavar as garrafas que seriam falsificadas? Quem são e como funcionam os distribuidores, e como os estabelecimentos são abastecidos? Pagam preços menores por esse perigo? Quantas pessoas podem realmente ter sido atingidas ou ainda o serão, porque não se tem ideia do espalhamento? Quais as medidas para salvá-las? Teremos antídotos para tantos casos? Quando teremos todas as respostas?
A verdade, infelizmente, é que não temos mais sossego para nada. Todos os dias temores e tremores, sustos, aqui perto, ali, lá longe. Crises, inclusive de confiança entre uns e outros.
Não conseguimos nos livrar de tantos medos nem mais bebendo para esquecer. Nem a água é mais confiável.
* Jornalista, cronista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo.Vive em São Paulo. [email protected] / [email protected]
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