
05 de outubro, de 2025 | 07:00
A extraordinária ciência da gestação
Luiza Caires *
[imagageme128640]O recém-lançado livro da cientista, professora universitária e divulgadora científica Rossana Soletti contempla e agrada em um só texto quem quer conhecer o passado, o presente ou sondar o futuro da ciência. Não de toda ela, mas da que se refere à gestação, pertinente a todos nós que começamos nossa existência individual (por falta de definição melhor) da união de um espermatozoide com um óvulo e fomos gestados em um útero. Conhecimento que diz respeito até mesmo àqueles que viveram parte da vida de gameta ou embrião num freezer de uma clínica antigamente chamados bebês de proveta, que hoje podem surgir de uma diversidade de tipos de fertilização in vitro, incluindo ainda quem foi gestado em um útero transplantado.
A Ciência da Gestação (2025, Zahar) traz histórias saborosas de desenvolvimentos científicos (e confesso que essa é minha parte preferida, quando fala a Rossana professora de História da Ciência), que nos lembram o quanto já estivemos enganados sobre algumas coisas, presos a conceitos risivelmente machistas como pensar que a falta de energia em forma de calor, especialmente em mulheres muito frias”, era o motivo para um bebê nascer do sexo feminino. Seja qual data você escolher para considerar o nascimento da ciência, deve concordar que ela já nasce machista (e vários outros istas”), porque, criação humana que é, não está à parte da sociedade onde surgiu.
Não deixa de ser curioso, porém, saber que em algumas espécies, como as tartarugas, o calor tem algum papel na definição do sexo especificamente a temperatura com que o ovo é incubado , nada a ver com uma fêmea com mais ou menos energia térmica.
As diferentes formas de se gerar descendentes entre os animais é uma curiosidade à parte e se você ainda não viu, procure um vídeo na internet (há vários) de um cavalo marinho macho grávido”, dando à luz minúsculos cavalinhos (que saem por um orifício na parte que seria a barriga”).
"A Ciência da Gestação (2025, Zahar) traz histórias saborosas de desenvolvimentos científicos"
Uma leitura fluida e agradável que nos informa muito bem também sobre o presente de uma ciência que já é capaz de coisas como dizer que os mamíferos tiveram uma ajudinha da genética de vírus do passado para desenvolver a placenta, ao longo da evolução. E que a idade paterna avançada influencia sim o risco de algumas condições de saúde do bebê. E, para falar de aplicações, ciência que já nos permite ver a face do bebê com uma tecnologia de ultrassom 3D desenvolvida com participação de um pessoal dos estúdios Pixar e com a 4D dá para ver até o feto chupando o dedo, piscando o olho ou bocejando.
O conhecimento atual possibilita ainda saber o sexo do bebê bem no início da gestação, a partir de uma pequena amostra de sangue da gestante, que pode ter alguns fragmentos de cromossomo Y circulando em seus vasos. Mesmo que seja ela portadora do XX os traços de Y são obtidos do embrião ou feto quando este carrega o XY. Aliás, não só isso ela obtém do feto, mas também algumas células que por alguma razão migram para o organismo dela, desenvolvendo as mesmas características e funções das outras do tecido em que se instalam. Mas essas histórias quiméricas de mãe-filho são tema de uma longa exposição, gerando perguntas e suscitando possíveis aplicações para a área da saúde que eu vou deixar a autora contar para quem ler o livro.
Há ainda, nele, assunto para nos maravilhar ou assombrar, em alguns casos diante do futuro e suas perspectivas, como o embrião gerado sem necessidade de óvulo nem espermatozoides. E margem para sonhar (indo atrás, como no caso de Rossana, da versão ativista) com um amanhã em que políticas direcionadas não permitam que as mulheres cientistas sejam punidas pois, no fundo, é isso que acontece porque decidiram ter um bebê.
* Jornalista e editora de Ciências do Jornal da USP. Artigo publicado pelo Jornal da USP.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]