Usiminas Plantio 728x90

02 de outubro, de 2025 | 07:00

''Botocudo'' não é índio

Mário de Carvalho Neto *


Termo pejorativo utilizado desde o século XVI para designar os indígenas que habitavam a região de Mata Atlântica do Leste mineiro e Sul da Bahia e diferencia-los dos Tupis, o verbete Botocudo, que significa “pessoas rudes”, até os dias atuais, ainda é empregado nas diversas dissertações acadêmicas ou citações informais, sem levar em conta que “Botocudo” não tem nenhum significado na linguística étnica.

Denominação surgida durante os primeiros contatos dos colonizadores portugueses com os povos indígenas do Brasil, especialmente da região do Vale do Rio Doce, o termo era utilizado para designar genericamente os nativos dos vários grupos do tronco linguístico Macro-Jê, como os Aimorés, que utilizavam um certo tipo de adorno em seus corpos.
O termo refletia a visão colonial e unificadora dos indígenas pelos europeus, sem nenhuma relação com a estrutura linguística destes povos.

Estes adornos, os botoques ou batoque (metara, para os índios), são feitos com madeira circular e eram utilizados no lábio e na orelha, em tamanhos variados. Foi nomeado de botoque pelos portugueses, por serem semelhantes aos orifícios de barris ou tonéis, que se fecham com rolhas.

Desde então, o termo considerado preconceituoso e discriminatório a uma nação indígena específica, tornou-se sinônimo de povos indígenas nas diversas literaturas que traziam ao presente, o passado do Vale do Rio Doce.

Área proibida - Com o esgotamento do ouro e pedras preciosas, não convinha a Coroa manter isolada a região do Rio Doce em decorrência de ser utilizada como rota de fuga e de contrabando outrora. Após a liberação do conhecido “Sertão do Leste” descobriu-se a grande quantidade de diferentes povos indígenas que ocupavam a região. Cobiçada pelos colonos, as terras férteis do Vale do Rio Doce, mergulham-se num verdadeiro e sangrento apagamento da história dos nativos, sob os auspícios da Guerra Justa, decretada em Carta Régia, em 1808 por Dom João VI.

Em carta à Corte, os colonos diziam: “Nessa capitania se acha ainda terreno incomensurável, ocupado pelo gentio chamado Botocudo, o mais bravo do Brasil, particularmente nas margens do Rio Doce, que é constantemente reputado por muito rico de ouro, e muito fértil em todos os gêneros.” Assim diziam: “A nação dos Botocudos é inimiga essencial da espécie humana, e como tal dever ser destruída e exterminada por direito (Os Borun do Watu – Os índios do Rio Doce).

Pelo decreto cria-se também a Companhia de Colonização e Navegação do Rio Doce e Civilização dos Índios, instalando na região os Quarteis das Divisões Militares, dentre eles, o Quartel da Onça Pequena, sob o comando de Guido Thomas Marlière.

Todos os índios que viviam além do litoral, no interior de Minas Gerais, eram chamados de Tapuia, pelos Tupi. Estes foram identificados como: Maxakali, Xakriabá, Krenak, Aranã, Mukuriñ, Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, Catu-Awá-Arachás, Kaxixó, Puris, Xukuru-Kariri, Tuxá, Kiriri, Canoeiros, Kamakã, Karajá, Guarani e Pankararu.
“O apelido não pertence a nenhum vocábulo étnico, é apenas uma
descortesia”


Ressignificar as diversas comunidades indígenas, habitantes há milênios do vasto território que hoje nos pertence, é recompensá-los pelo desaparecimento provocado pela ideologia da expansão econômica ou pela supremacia dos colonizadores brancos.


Uma grande nação Makro-Jê, ocupava o vasto território que compreende os rios (Watu) Doce, (Aracuá) Mucurí, (Krikaré) São Mateus e Jequitinhonha, em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Entretanto, os Krenaks (Aimorés), no Vale do Rio Doce, os Mokuriñ, também no Vale do Rio Doce e os Aranãs, região do Jequitinhonha eram os povos que se revestiam da alcunha de “Botocudos”, em razão de seus hábitos e costumes.

Na dimensão geográfica definida como o Sertão do Leste, região isolada por determinação imperial, foi habitada pelos Xacriabás, Maxacalis, Krenaks e Aranãs, todos do tronco Macro-Jê. O nome do rio Piracicaba, que significa em Tupi, “lugar onde o peixe para” ou “parada de peixe” é o que se pode afirmar ser vestígio de ocupação ou circulação de índios na região.

Alguns dos grupos que ainda habitam Minas Gerais incluem os Maxakali, Xakriabá, Krenak, Aranã, Mukuriñ, Pataxó, entre outros.

Ao longo da história, em Minas Gerais, muitas etnias foram aniquiladas e desapareceram, como os Carijós, Puris, Caiapós e Bororós.

Os Krenaks - Não muito distante de nosso tempo, do fim de 1920 até a década de 1940, todas as famílias indígenas assentadas por Rondon na reserva do Posto Indígena Guido Marlière, nos municípios de Resplendor e Conselheiro Pena, na margem esquerda do Rio Doce, foram expulsas pelos criadores de gado, os Kraís, (não índios). Os índios dali foram enxotados e fugiram para o Pankas, no Espírito Santo. Outros foram para o lado do Kuparak. Segundo o descendente dos Krenaks, Ailton Krenak, naquele lugar houve um massacre causado pelos colonos. Incendiaram a aldeia, fuzilaram crianças e as mulheres e mataram muitos a facão. Isso ocorreu no fim dos anos 1940 e 1950 e não havia ali nenhuma família instalada pacificamente.
“Construir uma nova observação dos nossos ancestrais é reconhecer sua civilidade, harmonia e respeito à natureza”


Ainda no relato de Ailton Krenak à revista Estudos Avançados, em 2008, ele disse: “há cem anos, no meio de um acampamento “Botocudo”, baixaram alguns homens, remanescentes das campanhas do francês Guido Thomaz Marlière, um jacobino que defendeu minha gente. Marlière teve contato com aqueles guerreiros que conseguiam se articular, fechar os caminhos e dar uma surra nos brancos, desmantelados e sem coesão.

Nessa ocasião, os “Botocudos” estavam desbaratados, jogados nos pés-de-serra. Muitos foram para o vale do Rio São Francisco, outros foram para o Rio São Mateus, e outros se refugiaram para o lado do vale do Rio Mucuri. Havia poucos assentamentos, pois os “Botocudo” dominavam poucos lugares. Ficavam escondidos, parecendo uma manada de gente assustada.

Quando entrou em contato com os “botocudos”, Marlière tentou rearticular um pedaço de gente dizimada, tentando concertar uma política lançada com a declaração de guerra de extermínio, assinada pelo príncipe regente, em 1808. Essa caçada brutal aos “Botocudos” durou duas décadas. Nesse período, chamava-se de “Botocudo” todo ajuntamento de índios, principalmente os apanhados nas matas do Rio Doce, ou até o Espírito Santo.” (Estudos Avançados – 2008)
Krenak foi responsável por seu ancestrais obterem de volta as terras que os colonos tomaram. Hoje é uma aldeia Krenak – o Posto Indígena Guido Marlière. O Estado de Minas respeita os limites dessa terra, pois é da União e o usufruto é dos Krenak.

O termo “Botocudo” associado a inomináveis atrocidades, aniquilamento coletivo e desapropriação do próprio território poderia ser substituído nas citações entre educando e educadores e nas dissertações populares, etc, pelo nome deles mesmos, como: Borun-Kren nas cabeceiras do Piracicaba, os Xacriabás, Maxakalis, os Krenaks e os Puris no Vale do Rio Doce, os Guanahãs em Guanhães e os Malalis, em Peçanha, porque assim eles são, e permanecerão. O apelido não pertence a nenhum vocábulo étnico, é apenas uma descortesia.

Construir uma nova observação sobre nossos ancestrais, não por uma marca, mas por eles mesmos, é reconhecer sua civilidade social, harmonia e respeito à natureza, tão parecido com os nossos anseios.

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]
Mak Solutions Mak 02 - 728-90

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Envie seu Comentário