28 de setembro, de 2025 | 07:00

Lapada

Marli Gonçalves *


Já disse que adoro palavras e seus sons, seja quando ditas ou os seus sentidos. Lapada é uma delas e estava esquecida até que em uma conversa com o pai de um adolescente ele comentou que agora tudo é lapada na linguagem dos jovens. Tá na moda. Usadas para suas rebeldias, como ponto final em discussões, vejam só.

Talvez nem eles saibam o sentido total, e são muitos, apenas curtam também o som definitivo da palavra. Fala aí ela alto: la-pa-da! Viu? É a própria que já lembra um tabefe, uma lambada, uma chapada, um catiripapo. Pois bem, descobri que a moçada a usa para acabar com conversas, com ironia, determinar o fim de uma discussão, sair andando com a razão, e aí, no entanto, ela não contém qualquer violência como poderia parecer; tem até humor.

No caso que a ouvi, o garoto a usa para finalizar uma chamada do pai contra alguma contradição que ele apresente sobre coisas sobre as quais ele próprio teria dito ou ensinado, sem levar em conta há quantos anos, e que idade tenra teria sido a situação. Ao responder, depois de recordar o que lhes havia sido dito, costumam mostrar, olha só que interessante, que têm memória. O famoso “’Ué’, mas não foi você quem disse isso?”. E terminam o papo com “toma essa lapada”. Saindo das cordas com ar vitorioso, e certamente com aquele sorrisinho sarcástico de ganhei mais essa.

Não tenho filhos, mas fui filha, e das obedientes, e que de vez quando polemizava. E sei bem que antes se usássemos uma expressão dessas, por mais que tivéssemos razão, ah, aí sim, ganharíamos uma boa lapada, ou uma boa bifa na orelha, “para aprender a respeitar os mais velhos”. Que bom que as coisas mudaram.
"Acho o máximo ver as coisas evoluírem e mudarem nas relações"


Acho o máximo ver as coisas evoluírem e mudarem nas relações e, no caso que cito, trata-se de um relacionamento que acompanho há alguns anos, bárbaro, entre pais e filho, com diálogos e conversas sobre questões mais profundas, antes proibidas, até bem difíceis, e inimagináveis na época quando fui educada.

É interessante demais observar essas mudanças, as novas famílias, os temas comportamentais que já não mais são tabus, como sexo, proteção, masculinidade, assédio, gênero, feminismo, liberdade, respeito, privacidade, entre outros desses novos tempos quando parece que os bichinhos até já nascem sabendo. Onde agora têm acesso, permitido ou não, a questões que ainda podem apavorar quando surgem em perguntas ou expostas dentro de casa.

Admiro demais a coragem dos pais que têm consciência que preparam o futuro, mesmo que tenham que passar por longas sessões de terapia para lidar com isso, especialmente na fase que enfrentam a temida adolescência, seus novos códigos, suas revoltas. Nisso todos somos e fomos iguais, fase dos questionamentos, criação de subterfúgios e espertezas, de uma linguagem entre os pares. Há muito o que ser estudado sobre essa fase da vida.

A propósito, lapada tem mesmo muitos sentidos: pode ser também uma dose de cachaça, ou o resumo de informações posto em áudios/vídeos. Parece ainda que também tem contornos sexuais quando acompanhadas de um “onde”. O mais engraçado é que a palavra vem de lapa, um pedaço de madeira, e que como era comum bater em crianças com um graveto, um cipó, mas que se a – digamos, correção – fosse mais pesada, se usava uma lapa de pau – as pancadas eram as lapadas.

Olha como esse mundo agora anda diferente, como o vento muda de direção, e que ainda bem as lapadas agora são apenas verbais. Ufa. Que quiproquó.

* Jornalista, cronista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo. [email protected] / [email protected]

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