
26 de setembro, de 2025 | 23:55
Saneamento precário em comunidade rural expõe moradores a riscos ambientais e de saúde
Anderson Figueiredo
Localidade tem nascentes de águas que abastecem casas e formam córregos que deságuam no ribeirão Ipanema

Por Matheus Valadares - Repórter Diário do Aço
No Ipaneminha, área rural de Ipatinga, o som da água que escorre das nascentes contrasta com a realidade enfrentada por algumas famílias. A localidade, rica em cultura com um congado pujante e que ainda tem a Igreja São Vicente de Paulo, um dos 14 patrimônios históricos da cidade, convive diariamente com as dificuldades de conseguir de ter um tratamento e a destinação final adequada de esgotos domésticos.
Neste mês de setembro, a reportagem do Diário do Aço visitou a parte mais alta da comunidade, quase no limite com Santana do Paraíso. No terreiro de casas simples, uma pia improvisada recebe a corrente cristalina que brota da serra, mas a mesma água logo desce pelo córrego carregando o esgoto doméstico das residências. Em um terreno familiar com quatros imóveis sem fossas sépticas, os dejetos são lançados diretamente no curso dágua e se junta ao ribeirão Ipanema, que com seus 28,5 quilômetros de extensão, corta grande parte do município até sua foz no Rio Doce, próximo ao bairro Castelo.
Anderson Figueiredo
José Aparecido mora no Ipaneminha desde a sua infância e aguarda ajuda para construção de uma fossa séptica

Apesar da abundância hídrica, a ausência de saneamento básico transforma o recurso vital em risco para a saúde e o meio ambiente. Os moradores reconhecem os danos, mas afirmam não ter condições de arcar com soluções adequadas.
A rede aqui nós jogamos no ribeirão mesmo, porque não teve como fazer [fossa séptica]. Somente o esgoto mesmo que acaba indo para o córrego, relata José Aparecido Gonçalves, 53 anos, nascido em Ipaneminha.
Mesmo com a situação, José demonstra consciência coletiva e importância de ter um outro meio de descarte. Eu acho importante porque aí não polui a água do córrego que desce para o ribeirão Ipanema. É bom que tenha [fossa séptica]. Bom para nós e para todo mundo”, finaliza.
A vizinha Nivalda Julieta, de 63 anos, reforça a preocupação. A rede vai tudo para as águas, né? Porque não tem fossa aqui. Não tivemos o privilégio de ter ainda. Mas temos o desejo de ter. A fossa é coisa necessária, porque na verdade é a questão da saúde mesmo, tanto para a gente, como para as pessoas que moram lá para baixo, porque nós estamos na cabeceira da água”, complementa.
Anderson Figueiredo
Moradora da parte mais alta do Ipaneminha, Nivalda Julieta relata sua preocupação com a qualidade da água e com os moradores da parte mais baixa

José Aparecido e Nivalda Julieta estão entre os 1.287 moradores ipatinguenses que despejam esgoto em cursos dágua, conforme evidencia o Censo Demográfico 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Outros 691 usam fossas de risco. Cerca de 222 mil pessoas contam com rede geral ou pluvial.
Quando analisadas as moradias, os dados mostram que, em Ipatinga, 469 domicílios despejam esgoto diretamente em rios, lagos ou córregos. Outros 241 utilizam fossas rudimentares e 29 lançam resíduos em valas abertas.
Em nota enviada ao Diário do Aço, a Copasa informou que não tem nenhum programa em andamento ou progressão para operacionalização de saneamento em áreas rurais na região do Vale do Aço”.
A prefeitura, por meio de nota, também informou que não há, no momento, iniciativas conjuntas em andamento ccom o Estado voltadas especificamente para a zona rural.
Anderson Figueiredo
Área rural do Ipaneminha tem abundância hídrica

Impactos
O geógrafo Alessandro de Sá explica que o despejo de esgoto sem tratamento provoca danos imediatos. Impactos e danos ambientais e sanitários diretamente na qualidade da água de nascentes e córregos, alterando as referências físico-químicas, elevando níveis de odores, água turva, eliminando a vida aquática dos peixes, macroinvertebrados e plantas. Esses impactos podem elevar riscos imediatos à saúde humana por meio de contaminação causando diarréia, parasitoses e outras doenças de veiculação hídrica”, afirma.
O infectologista Márcio de Castro, da Fundação São Francisco Xavier (FSFX), reforça que a falta de saneamento nas zonas rurais potencializa a transmissão de doenças. As comunidades rurais sem saneamento básico, com uso de fossas rudimentares, são um contexto de risco de doenças de transmissão oro-fecal, que a gente elimina pelas fezes e podemos contaminar pela ingestão de água, alimentos, e até mesmo pelo contato de pele com solo ou rios contaminados”, explica.
A Secretaria de Saúde de Ipatinga pontuou que monitora permanentemente indicadores epidemiológicos relacionados a doenças de veiculação hídrica e outras enfermidades que podem estar associadas à falta de saneamento. Entretanto, não há um relatório específico consolidado apenas para a zona rural. Os casos identificados são acompanhados pela rede de Atenção Primária, com orientações às famílias e ações preventivas realizadas pelas equipes de Estratégia Saúde da Família”, informou a nota.
Alessandro alerta ainda para o uso de fossas rudimentares, chamadas de fossas negras, que permitem infiltração de resíduos no solo e contaminação do lençol freático.
Podemos citar os principais riscos das fossas rudimentares, como a contaminação do solo e do lençol freático, considerando que elas permitem a infiltração direta de esgoto no solo sem barreiras de tratamento, elevando o nível de nitrato, fósforo, amônia, coliformes fecais, vírus e parasitas para o lençol freático”, argumenta.
Arquivo pessoal
Ambientalista detalha formas simples e baratas de garantir melhor tratamento de esgoto doméstico em comunidades afastadas

APA Ipanema
Além do importante valor cultural, na área rural de Ipaneminha tem a Área de Proteção Ambiental (APA) Ipanema, destinada a preservar a natureza. A poluição dos córregos afeta também os serviços ambientais dos ecossistemas, assim como o surgimento de conflitos de uso do recurso hídrico para lazer, pesca, irrigação e desvalorização cênica e turística, no caso específico da APA-IPANEMA”, conclui Alessandro.
Tecnologias sociais como alternativa
O ambientalista Vander de Almeida Neto defende uma política pública de tecnologias sociais para a adoção pelos interessados no setor rural, por serem de fácil acesso, eficazes e simples de implantar. Uma das tecnologias sociais para tratamento do esgoto sanitário que procuramos incentivar pela sua praticidade, eficiência e pouco investimento é a das bombonas interligadas em série, que são tambores de 200 litros de polietileno e usadas para transporte de alimentos. Esse sistema apresenta um resultado extremamente satisfatório, o qual a OMS, autoriza o lançamento das águas tratadas por ele diretamente nos córregos ou rios por apresentar cerca de 85% de pureza”, detalha.
Segundo ele, técnicas como os círculos de bananeiras”, que utilizam plantas para absorver águas cinzas, também podem ser aplicadas.
Crianças mais vulneráveis
O médico Márcio de Castro acrescenta que as crianças estão mais vulneráveis às doenças transmitidas por água contaminada. As doenças diarreicas na infância são causa importante de mortalidade de crianças. O saneamento básico é uma das medidas mais importantes para reduzir a mortalidade infantil ao lado da vacinação”, pontua.
As enchentes recentes em Ipatinga, como a de 12 de janeiro, intensificam o risco. Os surtos de doenças infecciosas, especialmente as virais e as bacterianas podem ocorrer nesse contexto e pode ser piorado. O aumento de enchentes, a gente tem esse risco aumentado de comunidades expostas a essas terras, água e alimentos contaminados com diversos parasitas e germes potenciais”, alerta o especialista.
ETE
Na parte mais baixa do Ipaneminha, há poucos metros de onde se concentram algumas moradias, a igreja, o Museu do Congado e a Escola Municipal Professor Mario Casassanta, fica localizado a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Neste equipamento são instalados tambores de 10 mil litros, que recebem a água contaminada proveniente das fossas sépticas instaladas em algumas residências contempladas. Após o processo de limpeza, a água é devolvida para o córrego, que passa ao lado.
Matheus Valadares
Ponto em que houve extravasamento de esgoto na unidade de tratamento do Ipaneminha

No dia 9 de setembro, durante a visita da reportagem do Diário do Aço ao local, havia um extravasamento de líquido com forte odor de uma das tampas do reservatório, que formava uma poça escura em uma área de mato. Um líder comunitário informou que já havia sido expedido um ofício junto ao governo municipal para que fosse feito a retirada do conteúdo, no entanto, até o dia 25 deste mês, a limpeza não foi feita.
Porém, em nota, a prefeitura de Ipatinga garantiu que o serviço foi feito. No caso da comunidade de Ipaneminha, o serviço de limpeza foi realizado após o recebimento do ofício”.
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