20 de setembro, de 2025 | 15:55
Mineiros deportados dos EUA relatam humilhação e violações de direitos
Informações da ALMGElizabete Guimarães/ALMG
Comissão do Trabalho foi a Governador Valadares, nesta sexta (19), para ouvir denúncias e debater condições de repatriação.

Perseguições, desaparecimentos, violações de direitos humanos e abandono forçado, em solo norte-americano, de bens, familiares, amigos e projetos de vida. Esses foram alguns dos relatos apresentados em audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em Governador Valadares (Vale do Rio Doce), nesta sexta-feira (19/9/25).
A reunião, solicitada pelo deputado Betão (PT), presidente da comissão, ocorreu na Câmara Municipal, para debater os impactos da nova política anti-imigração do governo de Donald Trump e as condições de repatriação de trabalhadores mineiros deportados dos Estados Unidos.
O casal Cristiane de Souza Campos e Wilian Pereira dos Santos faz parte dos quase 2 mil brasileiros obrigados a retornar ao País somente este ano. Wilian conta que passou 61 dias preso antes de ser deportado. Nesse tempo, perdeu o nascimento do filho. No presídio, sofreu com alimentação de má qualidade e privação de água, limitada a duas garrafinhas por dia. Além disso, foi obrigado a arcar com parte dos custos de sua detenção. Gastei mais de 500 dólares somente em ligações para a família”, relatou.
Já Josefa Bezerra da Silva, também presente na reunião, teve o filho preso em janeiro em um centro de detenção norte-americano, onde ele permaneceu por quase seis meses. Após ele ser transferido para outro local pelo órgão de controle de imigração dos Estados Unidos (ICE - U.S. Immigration and Customs Enforcement), Josefa ficou mais de três meses sem receber qualquer notícia. Agora, seu filho está prestes a ser deportado para o Brasil.
Nós estamos sendo caçados como cachorros com raiva. Estamos sendo sequestrados nas ruas por homens armados”, denunciou Heloísa Maria Galvão, cofundadora do Grupo Mulher Brasileira. O grupo, formado apenas por mulheres, presta suporte a imigrantes brasileiros em situação irregular, com o pagamento de fianças, fornecimento de comida e apoio em questões burocráticas.
Entre os casos que chegaram ao conhecimento de Heloísa, ela contou de um brasileiro cujo filho foi assassinado em julho. Com as investigações ainda em andamento, ele e a esposa foram orientados a não deixar os Estados Unidos, apesar de estarem em situação irregular. Desde então, esse brasileiro está desaparecido.
Em outra situação relatada por Heloísa, um brasileiro foi preso por agentes do ICE na frente do filho ainda criança, que foi abandonado sozinho no banco de trás do carro após a operação. A situação está insustentável. As pessoas não vão ao supermercado, não vão ao médico, não levam os filhos na escola, por medo”, diz a ativista.
Por falta de espaço, conta Heloísa, muitas pessoas estão sendo presas nos escritórios do órgão de imigração e dormindo no chão em esquema de revezamento. Não podem escovar os dentes, tomar banho, trocar de roupa ou fazer uso de medicações prescritas e controladas, tomadas à força pelos agentes norte-americanos.
Mineiros são maioria entre deportados
Os dados e os fatos que nos chegam dos Estados Unidos não são somente estatísticas, são sonhos sendo destruídos e famílias sendo separadas”, afirmou o deputado Betão.
Bruno Pereira Albuquerque de Abreu, chefe da Divisão de Comunidades Brasileiras e Assistência Consular do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que, apesar de o governo federal não poder interferir na legislação estadunidense, o Itamaraty tem agido para reduzir o tempo de detenção dos brasileiros em solo americano.
Ele afirmou que, depois do início do governo de Donald Trump, a retórica norte-americana anti-imigração se intensificou, mas que o número de brasileiros deportados não aumentou tão drasticamente como se imagina. Segundo Bruno de Abreu, o aumento registrado foi de 19% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo a maior parte desses deportados de Minas Gerais (mais de 60%).
O assessor do Itamaraty informou também que, a partir de 2010, houve uma intensificação do número de brasileiros passando pela fronteira do México com os Estados Unidos. Em 2021, esse número chegou a 100 mil pessoas. Muitos desses migrantes fizeram a travessia com apoio de contrabandistas, crime previsto na lei brasileira.
Hoje, pouco mais de 400 brasileiros estão detidos em situação imigratória irregular, segundo Bruno. Nós não desejamos nem queremos isso para ninguém. Se eu pudesse fazer um alerta a quem ainda não foi, seria não vá. Imigrem de forma regular e segura. Caso não consigam regularizar, retornem ao Brasil”, aconselhou.
Governador Valadares e a cultura de migração
Sueli Siqueira, professora e pesquisadora da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), explicou por que a migração se tornou uma cultura tão forte em Governador Valadares e na região.
Ela contou que, no período da Segunda Guerra Mundial, foi descoberta no município uma jazida de minério muito importante para indústria bélica dos Estados Unidos, trazendo muitos trabalhadores norte-americanos para Governador Valadares. Uma dessas famílias estadunidenses, de sobrenome Simpson, acabou permanecendo na cidade, onde realizou muitos empreendimentos, como a fundação do Rotary Club e de uma famosa escola de inglês.
A escola da família Simpson foi uma das primeiras no País a promover o intercâmbio de estudantes brasileiros para os Estados Unidos, para aperfeiçoar o inglês. Já em 1964, um grupo de 17 estudantes valadarenses foi o primeiro a migrar com visto de trabalho. Na década de 1980, a migração se intensificou ainda mais diante da crise econômica no Brasil e da promessa de melhores oportunidades no exterior.
A partir daí, um mercado se formou na cidade: agências de turismo foram abertas, oferecendo traslado e apoio documental para a retirada de visto em consulados, além do surgimento de serviços ilegais de falsificação de passaporte e travessias pela fronteira.
Para Sueli Siqueira, desde essa época, a prática da deportação fez parte da história política dos Estados Unidos, porém a criminalização da imigração e o acirramento de medidas contra o imigrante ganharam mais força a partir dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Aumentou a dificuldade na concessão de vistos, o que resultou na ampliação da travessia pela fronteira do México”, analisou a pesquisadora.
Um novo marco, segundo Sueli, aconteceu com a primeira eleição de Donald Trump, quando, desde a campanha, foi anunciada uma política de tolerância zero, com prisões, separações de famílias e crianças enviadas para abrigos.
A xenofobia e o preconceito foram disseminados pelo discurso de ódio ao imigrante, com o estímulo da autoridade máxima do país”, pontuou.
Políticas públicas de permanência e reintegração
Para Tonimar Domiciano Arrighi Senra, diretor-geral do campus Governador Valadares do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), é preciso construir políticas públicas de valorização profissional e de educação que estimulem aqueles que sonham em ir para fora a permanecer no País.
Precisamos fazer com que o cidadão encontre aqui as condições que ele busca, contribuindo para a região de onde ele veio e junto de sua família."
No mesmo sentido, a vereadora de Governador Valadares Sandra Maria Perpétuo acredita que as pessoas migram por ausência de oportunidades em sua cidade. É importante reconhecer a dívida social que temos com essa gente que migrou e hoje são caçados, marginalizados, penalizados”, afirmou.
Sandra participará, no dia 27 de setembro, da Conferência Continental em Defesa dos Migrantes pelo Direito de Migrar, na Cidade do México. Organizada por sindicalistas e ativistas mexicanos, o espaço contará com a participação de parlamentares e movimentos sociais de todo Caribe e América Latina, para debater a crise imigratória provocada pelo governo Donald Trump e pensar soluções.
Também na linha de buscar soluções, Margarida Aparecida de Oliveira, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisadora sobre migração internacional, apontou algumas políticas públicas que ela vê como necessárias para lidar com a situação, como ações de redução da precarização e segregação laboral; medidas de acolhimento, apoio psicológico, jurídico e profissional para os brasileiros deportados; projetos de capacitação profissional, linhas de crédito e emprego para aqueles que retornam forçadamente ao País; e construção de centros de referência em migração e parcerias com ONGs e universidades.
O deputado federal Leonardo Monteiro (PT-MG), natural de Governador Valadares, informou na audiência que é autor, na Câmara dos Deputados, em Brasília, de um projeto de lei para instituir uma política nacional de acolhimento e reintegração para brasileiros deportados e repatriados, com o nome Programa Reintegra Brasil.
Ao final da audiência, o deputado Betão apresentou requerimento para pedir à Secretaria de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese) providências para garantir o acolhimento dos brasileiros repatriados que cheguem pelo Aeroporto de Confins, em local adequado e com respeito à privacidade dos deportados.
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