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19 de setembro, de 2025 | 15:03

Trabalhador autista é dispensado após sugerir adaptações no trabalho e empresa é condenada por discriminação

TRT-MG/Divulgação
Justiça confirma que empresa ignorou recomendações de adaptação e reforça dever de inclusão no ambiente profissional.Justiça confirma que empresa ignorou recomendações de adaptação e reforça dever de inclusão no ambiente profissional.

Com informações, do TRT-MG
Um trabalhador autista que era visto como exemplo de diversidade dentro da empresa em que trabalhava acabou dispensado sem justa causa um mês depois de apresentar um laudo médico com recomendações de inclusão. A Justiça do Trabalho reconheceu a dispensa como discriminatória e condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais. Na 31ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, a juíza Haydée Priscila Pinto Coelho de Sant’Ana fixou o valor da indenização em R$ 25 mil, destacando que a dispensa logo após o pedido de ajustes mostrou omissão grave e caracterizou discriminação. Em grau de recurso, os julgadores da Segunda Turma do TRT-MG mantiveram o entendimento de dispensa discriminatória, mas reduziram o valor para R$ 10 mil, concluindo que essa quantia é mais adequada.

Entenda o caso
Logo que chegou à empresa, um trabalhador autista acreditava estar vivendo um exemplo raro de inclusão no mercado de trabalho. Foi bem avaliado, elogiado pelos colegas e até usado em campanhas internas como símbolo de diversidade. Mas essa história mudou quando ele apresentou um laudo médico recomendando adaptações simples para que pudesse exercer suas funções com mais conforto e igualdade. Um mês depois, foi dispensado sem justa causa.

O relatório médico, elaborado por um psiquiatra, não trazia nada impossível: um espaço de trabalho mais calmo, luz suave em vez de fluorescente, cores neutras nas paredes, fones de ouvido para reduzir ruídos, softwares de produtividade, uma cadeira ergonômica adequada e pequenas flexibilizações na rotina, como pausas regulares em local tranquilo, e a possibilidade de contar com um mentor para ajudá-lo na interação social. Conforme frisou a juíza sentenciante, o documento indicava que eram medidas de baixa complexidade, necessárias para garantir inclusão. Segundo o relatório médico, essas medidas não exigiam grandes reformas ou investimentos e tinham como objetivo tornar o ambiente mais inclusivo, garantindo bem-estar e produtividade.

Em vez de cumprir as recomendações, a empresa providenciou somente medidas isoladas: trocou a cadeira e forneceu um suporte para notebook. Ao mesmo tempo, ofereceu trabalho remoto como alternativa. Entretanto, o trabalhador não havia feito esse pedido e o psiquiatra também não havia recomendado essa alternativa de home office. O próprio empregado tinha falado em depoimentos internos que o convívio com a equipe era fundamental para o desenvolvimento de suas habilidades sociais. O que veio em seguida foi a dispensa, justificada como parte de uma suposta reestruturação organizacional que nunca foi provada. A empresa não apresentou documento que comprovasse esse processo. A magistrada verificou que um pequeno número de pessoas havia sido desligado no setor, principalmente em cargos de liderança, o que não era o caso do trabalhador autista.

Na sentença, a juíza observou a falta de empatia por parte da ex-empregadora. Isso porque o trabalhador buscou esclarecimentos sobre sua dispensa por meio do canal oficial de atendimento da empresa, mas recebeu respostas automáticas, sem explicação concreta.

Uma testemunha do setor de recursos humanos, ouvida pela magistrada, confirmou que o laudo médico chegou à medicina do trabalho, mas nada foi feito. Essa mesma testemunha relatou que a dispensa ocorreu sem sequer passar pelo setor jurídico da empresa.

Nível 1 do espectro autista: Deficiência invisível
No relatório médico, examinado pela juíza de primeiro grau, o psiquiatra explicou que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição que pode afetar a interação social, a comunicação e o comportamento. “É fundamental proporcionar um ambiente de trabalho que atenda às necessidades individuais, de forma a aumentar o conforto e a produtividade do funcionário”, pontuou.

Ao examinar o conjunto de provas, a magistrada encontrou um depoimento prestado para campanha interna da empresa sobre inclusão de pessoas com deficiência. Nesse depoimento, o trabalhador autista destacou o papel fundamental da convivência com a equipe para o desenvolvimento de suas habilidades sociais, tendo afirmado: “Desde que entrei para o time, todos já sabiam que tenho autismo e percebo o envolvimento de todos em avançar na forma de interação. Sempre pesquiso temas que podem ser compartilhados com o grupo e sempre conversamos abertamente sobre a prática da inclusão. Além disso, ganho muito no desenvolvimento, já que aqui posso trabalhar minhas habilidades sociais (...)”. Para a juíza, o oferecimento do home office, descolado das necessidades efetivas do trabalhador, transformou-se, nesse contexto, em uma forma sutil de exclusão.

Na sentença, a julgadora mencionou outra fala do trabalhador autista à época da campanha interna da empresa, quando ele relatou: “O ponto é que o nível 1 do espectro autista é muito sutil e é difícil de separar de outros transtornos, podendo ocorrer erro de diagnóstico. Por causa disso, o índice de desemprego em autismo é o maior de todos. As pessoas interpretam o seu comportamento como outra coisa, não como uma deficiência. Eu sempre escuto: ´nossa, você é tão inteligente, não tem cara de autista’, uma fala preconceituosa e que também demonstra como ainda é grande a falta de conhecimento das pessoas, principalmente para lidar com adultos autistas”.

Leis e entendimentos aplicados ao caso
Conforme ressaltou a magistrada, a legislação impõe ao empregador o dever, não apenas de não discriminar, mas também de agir ativamente para assegurar igualdade substancial no ambiente de trabalho. Na sentença, ela citou o artigo 1º, parágrafo 2º, da Lei nº 12.764/2012, que reconhece expressamente que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, segundo as leis brasileiras e os acordos internacionais aplicáveis às pessoas com deficiência.

A julgadora reforçou que a Constituição, em seu artigo 5º, assegura o direito à igualdade formal e material, e o artigo 7º, inciso XXXI, proíbe qualquer discriminação referente a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência — proibição que deve ser interpretada de forma sistemática, incluindo a fase de manutenção do vínculo de emprego.

Nos fundamentos da decisão, está também o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que prevê, em seu artigo 34, que é assegurado à pessoa com deficiência o direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

A juíza embasou seu entendimento também na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), que estabelece que a recusa injustificada de ajustes razoáveis configura ato discriminatório e que os Estados Partes devem adotar medidas para garantir a plena inclusão da pessoa com deficiência no mundo do trabalho, inclusive mediante a implementação de adaptações razoáveis no ambiente profissional.

Na avaliação da magistrada, a conduta da empresa também se enquadra nos parâmetros da Súmula 443 do TST, que presume discriminatória a dispensa de trabalhadores portadores de doenças graves que envolvem estigma ou preconceito. “Embora o autismo não seja doença, mas um transtorno do neurodesenvolvimento, é inegável que há estigmas profundos e atuais relacionados à sua manifestação no ambiente de trabalho, especialmente pela ausência de marcadores físicos visíveis e pelo desconhecimento social sobre os desafios enfrentados por adultos autistas, sobretudo os que se enquadram no nível 1 de suporte”, completou. Em sua análise, a julgadora pontuou que a dispensa sem justa causa de um empregado com essa condição é presumidamente discriminatória, cabendo à empresa provar o contrário. Ela acrescentou que a empresa não conseguiu provar que a dispensa não teve relação com a condição do trabalhador, principalmente após a solicitação de adaptações, que foi ignorada.

Condenação da empresa por discriminação
A juíza que primeiro julgou o processo, na 31ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, considerou a conduta da empresa especialmente grave. “A ausência de resposta, de análise ou de providências concretas, seguida da dispensa logo após a entrega do laudo, mostra omissão grave e gera a presunção de discriminação”, afirmou. A julgadora enfatizou que a lei garante às pessoas com deficiência, incluindo pessoas com Transtorno do Espectro Autista, o direito a adaptações razoáveis para garantir igualdade no trabalho. Ressaltou ainda que o dever do empregador não é só evitar discriminação, mas agir para promover a inclusão. Para a magistrada, negar as adaptações sem justificativa foi uma violação direta à dignidade e ao direito de inclusão da pessoa com deficiência. Ela condenou a empresa a pagar R$ 25 mil de indenização por danos morais.

A empresa recorreu para tentar reduzir o valor da indenização ou anular a condenação. Houve recurso também do trabalhador autista, que pretendia o aumento do valor da indenização por danos morais. Na Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, a desembargadora Maristela Íris da Silva Malheiros manteve o entendimento de que a dispensa foi discriminatória. Ela destacou que o trabalhador ocupava uma vaga destinada a pessoas com deficiência. A magistrada reiterou que o autismo, embora não seja doença, causa estigma e preconceito, devido às dificuldades de relacionamento social. A relatora destacou que a empresa tinha plena ciência da condição do empregado desde a contratação dele e que a perda do emprego só ocorreu após a formalização das recomendações importantes para promover a inclusão. Ao revisar o valor fixado, o colegiado de segundo grau reduziu a indenização para R$ 10 mil, pontuando que essa quantia é compatível com a gravidade do caso e com a capacidade econômica da empresa, além de estar em linha com decisões semelhantes da Segunda Turma. De acordo com as ponderações dos julgadores, o caso expõe o contraste entre o discurso de inclusão e a prática dentro das empresas. Mostra também como a recusa de adaptações simples pode resultar em exclusão sutil, mas devastadora para quem já enfrenta barreiras invisíveis. Para o trabalhador, que sempre valorizou o contato com a equipe como forma de aprendizado social, a dispensa representou não apenas a perda do emprego, mas a confirmação de que a luta por inclusão ainda está longe de terminar.

21 de setembro: Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência - Inclusão no trabalho ainda é desafio diante da discriminação
O próximo domingo, 21 de setembro, será o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A data chama atenção para os direitos de milhões de brasileiros que ainda enfrentam barreiras para conquistar espaço no mercado de trabalho.

A legislação brasileira garante proteção especial. A Constituição assegura igualdade e proíbe qualquer forma de discriminação. A Lei nº 8.213/1991 criou a chamada Lei de Cotas, que obriga empresas com 100 ou mais empregados a reservarem uma porcentagem de vagas para pessoas com deficiência. Já o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reforça o direito de trabalhar em um ambiente inclusivo, com condições iguais e dignas.

Mas, na prática, os obstáculos ainda são grandes. Muitos trabalhadores com deficiência relatam que enfrentam preconceito velado, falta de acessibilidade e ausência de adaptações simples que poderiam fazer toda a diferença. Situações de capacitismo vão desde a recusa em contratar até a dispensa sem justa causa logo após o pedido de adaptações razoáveis. Capacitismo é o nome dado à discriminação contra pessoas com deficiência. É o preconceito que finge ser “cuidado” e vem disfarçado de “proteção”. Ele se manifesta quando alguém presume que uma pessoa com deficiência é menos capaz, menos produtiva ou menos inteligente.

A Justiça do Trabalho tem reiterado que negar adaptações é discriminar. O dever do empregador não se resume a abrir vagas, mas também garantir que o ambiente seja acessível, respeitoso e preparado para acolher cada trabalhador conforme suas necessidades. Não basta abrir portas — é preciso garantir que todos possam entrar, permanecer e crescer.

Neste 21 de setembro, a reflexão é urgente: inclusão não é apenas uma questão de legislação, é também uma forma de valorizar talentos e fortalecer a diversidade no mundo do trabalho. Garantir igualdade real para pessoas com deficiência significa romper com preconceitos e construir ambientes verdadeiramente justos e humanos, livres do capacitismo. Que a comunicação, o diálogo e a empatia sejam a base das relações de trabalho. Que todas as empresas garantam ambientes acessíveis, tanto físicos quanto digitais. A deficiência deve ser vista apenas como mais uma característica da rica diversidade humana.
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