18 de setembro, de 2025 | 08:00
PEC da Blindagem e a ruptura do espírito republicano da Constituição
Marcelo Aith *
Foi aprovada na Câmara dos Deputados a chamada PEC da Blindagem”, proposta que reacende um dos debates mais delicados da democracia brasileira: o alcance do foro privilegiado e os limites da imunidade parlamentar. A iniciativa, ao alterar dispositivos da Constituição Federal, amplia o rol de autoridades com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal (STF) e cria novas barreiras para a prisão e o processamento de parlamentares.
O texto da Constituição é claro. O artigo 102 estabelece que cabe ao STF processar e julgar, nas infrações penais comuns, apenas as mais altas autoridades da República: o presidente e o vice-presidente, os membros do Congresso, os ministros da Corte e o procurador-geral da República. A lógica sempre foi a de restringir o foro a situações em que o exercício da função institucional pudesse ser comprometido. Nos últimos anos, inclusive, a interpretação do Supremo caminhou no sentido de limitar o alcance dessa prerrogativa, restringindo-a a crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício da função. O movimento foi visto como um freio à impunidade que historicamente marcou a elite política.
A PEC, no entanto, inverte esse curso. Além de incluir os presidentes nacionais de partidos políticos com representação na Câmara no rol de autoridades com foro privilegiado um grupo que exerce influência decisiva no sistema político, mas que não detém mandato popular , a proposta reforça amarras institucionais que tornam ainda mais difícil a responsabilização penal de parlamentares.
Entre os pontos mais controversos, estão a exigência de licença prévia da Casa legislativa para que um parlamentar seja processado criminalmente, a deliberação em votação secreta em até 90 dias por maioria absoluta, a suspensão da prescrição caso a licença seja negada, prorrogando o escudo de proteção enquanto durar o mandato, e a necessidade de decisão da Casa em até 24 horas para validar a prisão em flagrante.
"Em um momento em que ex-presidentes e líderes partidários enfrentam condenações ou investigações, a blindagem surge como resposta corporativa"
Não é coincidência que a PEC surja em meio a um ambiente de polarização e desgaste da relação entre Legislativo e Judiciário. Em um momento em que ex-presidentes, governadores e líderes partidários enfrentam condenações ou investigações, a blindagem surge como resposta corporativa. O discurso oficial é o da proteção contra perseguições judiciais. Mas é impossível dissociar a proposta do cálculo político imediato: reduzir a vulnerabilidade de atores centrais do Congresso e dos partidos às decisões do Supremo, em um cenário de crescente judicialização da política.
Aprovada [e agora a caminho do senado], a PEC representa uma ruptura em relação ao espírito republicano da Constituição Federal de 1988. Se o princípio consagrado no artigo 5º garante que todos são iguais perante a lei”, a ampliação do foro e a exigência de licença parlamentar para processar membros do Congresso produzem o efeito oposto: consolidam um regime de desigualdade jurídica entre cidadãos comuns e políticos profissionais. O impacto simbólico também é profundo.
Importante ressaltar que em um país marcado por crises de confiança nas instituições, a aprovação da PEC da Blindagem reforçaria a percepção de que a lei se aplica seletivamente, alimentando o sentimento de descrença na política representativa.
O Congresso tem, diante de si, uma escolha que transcende conveniências momentâneas. Pode optar por reforçar um sistema de responsabilização capaz de recuperar a confiança social ou pode recuar para a lógica da autoproteção, ampliando o fosso entre representantes e representados. Agora, o Senado como Casa Revisora dirá se a Constituição continua a ser o pacto que limita privilégios e assegura direitos ou se se transformará em um instrumento para blindar aqueles que deveriam ser os primeiros a prestar contas à sociedade.
* Advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca - ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca.
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Tião Aranha
18 de setembro, 2025 | 12:31Mais uma prova que o julgamento de Bolsonaro foi inconstitucional, pois pela CF, ex-presidente tem que ser julgado pela primeira instância, e não pelo STF. Trump tá certo em penalizar o cabeça de ovo. Que nem cartão de crédito pode usar. (Aguarda que vem mais). Aqui, bandido prende militar; quer dizer, ex-capitao do exército! Rs.”