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16 de setembro, de 2025 | 07:00

Infância adultizada

Vanderlei Soela *


Em tempos de inteligência artificial, relações líquidas, fugacidade de valores, as novidades surgem a cada instante. Novidade faz parte da existência e nos mantém caminhando e buscando. No entanto, há novidades que estremecem as experiências aparentemente tranquilas e nem imaginadas. O mundo virtual, proporcionado pela internet, com muita frequência nos surpreende, porém, não só com coisas boas, mas, ao contrário, com temas e práticas preocupantes. Isso nos empurra a pensar e repensar atitudes e ações que impactam a existência e intuir caminhos de proteção da integridade, da dignidade e da vida.

De modo especial, as crianças, os adolescentes e os jovens são o público mais vulnerável e bombardeado com todo tipo de ameaça, sejam elas reais ou não, em casa ou na rua, não importando idade, cor, raça ou classe social.

Ainda que não seja de todo uma novidade, surge o tema da adultização das crianças, assunto que tem preocupado pais, educadores, políticos e profissionais de diferentes áreas. A adultização nos remete a ações que provocam experiências e comportamentos precoces nas crianças. Em outras palavras, é toda forma de antecipação de experiências que não condizem com a infância. Vai desde a assumir papéis parentais na família até a exposição nas mídias, como forma de ganhar dinheiro ou fama. Será que estamos fazendo as crianças se tornarem adultas muito cedo? Certamente não, pois elas não conseguem. Há uma série de fatores que levam uma pessoa a se tornar um adulto. A adultização das crianças, na verdade, é uma tentativa, uma provocação ou uma ‘forçando de barra”, por parte dos adultos, para que elas vivam experiências que não são suas e nem na sua hora.

É muito comum que toda criança ouça “o que você vai ser quando crescer?”. É uma forma até saudável de ir provocando interesse e motivação. Tudo o que vai além disso, pode ser perigoso e maléfico. Com o advento do mundo virtual e todos os seus aparatos, abriram-se muitas possibilidades. As crianças, muito cedo, são provocadas, em grande parte, pelos próprios pais, a desempenhar diferentes papéis, no intuito de adquirir fama e, consequentemente, dinheiro. Pode ser uma ingênua brincadeira, ou até algo mais complexo. De outro lado, a exposição muitas vezes ingênua de postar fotos em diversos lugares e situações, têm alimentado uma rede perigosa de pessoas mal-intencionadas, especialmente pedófilos.

Exemplos que podem ser incluídos na ideia de adultização são abundantes: crianças que precisam lidar com as brigas e disputas dos pais, tendo que fazer escolhas e assumir responsabilidades; crianças que precisam cuidar de seus irmãos em idade muito próxima, sem a assistência de adultos; crianças que são pressionadas a se passarem por ridículas para fazer sucesso; crianças submetidas a experiências de trabalho degradantes; crianças usadas pelo tráfico; crianças negligenciadas em suas necessidades básicas de alimentação, segurança, saúde e educação; crianças expostas à fama e a ganhos econômicos.
"Não se pode imputar a uma criança aquilo que não é do seu momento, do seu tempo de vida"


O desejo de ascensão social e econômica, torna-se terreno fértil para a exploração em diferentes níveis, que podem deixar rastros indeléveis na vida desses futuros adultos. Há que se entender que não se pode adiantar a vida adulta numa criança, isto porque, é necessário maturação física, cognitiva, psíquica e emocional. Não se pode imputar a uma criança aquilo que não é do seu momento, do seu tempo de vida. Criança deve brincar, criar, inventar, correr, pular, ralar o joelho... Deve, igualmente, aprender a esperar o tempo certo de certas coisas e experiências, lidar com a frustração, aprender o que é bom ou mau, certo ou errado.

A adultização das crianças é uma forma de dizer que estamos colocando o carro na frente dos bois; que pretendemos construir uma torre sobre a areia; que queremos alimentar um bebê com um churrasco. A consequência pode ser desastrosa, pois, nessas condições, e quando adultas no seu tempo, serão possivelmente, pessoas emocionalmente frágeis, inseguras e instáveis na vida pessoal, nos relacionamentos, na profissão.

Além das atitudes e ações na esfera familiar e escolar, é importante desenvolver e garantir políticas públicas de qualidade que garantam a integridade das crianças, adolescentes e jovens. Criar leis que coíbam a liberalidade das plataformas e redes sociais que facilitem a circulação de inúmeras ameaças e do crime.

Para os que já somos adultos, recai sobre nós a responsabilidade em guiar, conduzir (=pedagogia) as crianças para um desenvolvimento saudável, respeitando etapas e processos. Recai sobre nós “cuidar do broto, para que a vida nos dê flor e fruto”. Vale recordar a mensagem de Jesus, no Evangelho, quando lembra que é melhor amarrar uma pedra no pescoço e se afogar nas profundezas do mar do que escandalizar a um pequenino.

* Pedagogo, Professor e Psicólogo. Doutor em Administração. Diretor do Colégio Marista Dom Silvério, em BH.

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