07 de setembro, de 2025 | 08:45
De volta à escola: EJA resgata sonhos e garante inclusão social no Vale do Aço
Por Isabelly Quintão e Matheus ValadaresFaz muita falta, né? Às vezes preciso de alguma coisa e tenho que ficar pedindo filho para fazer, por isso tive vontade de voltar a estudar, e preciso ajudar meu marido também, principalmente na matemática, que é o que a gente mais precisa”, relatou Neuza de Souza, de 50 anos, moradora do distrito de Melo Viana, em Coronel Fabriciano, que voltou a estudar em 2025, por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), na Escola Municipal Padre Deolindo Coelho, também no Melo Viana.
Atualmente, ela está na 4ª série e é uma das dezenas de alunos, que de segunda a sexta-feira, a partir das 19h, frequentam a instituição. Neuza está entre os 27.723 fabricianenses e os 35,2% da população brasileira sem instrução e ensino fundamental incompleto, conforme os dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Criada em Porteira Grande, zona rural de Antônio Dias, a mulher passou por diversas dificuldades que frearam” sua alfabetização. Ela contou ao Diário do Aço que trabalhava e estudava, e devido à timidez, tinha vergonha de tirar dúvidas com a professora, e consequentemente, não assimilava o conteúdo, o que a levou a deixar os estudos. Posteriormente, surgiram outras prioridades: cuidou da mãe até sua morte, se tornou mãe de dois filhos, o que adiou o sonho de voltar a estudar. As dificuldades permanecem. Ela cuida do marido, Carlos Nelvan, que tem dificuldade de locomoção devido a uma paralisia infantil. Há uns 35 anos eu parei de estudar e não tive mais oportunidade, por vários motivos. E agora, na EJA, eu estou tendo essa oportunidade e estou gostando muito de aprender”.
Exemplo vizinho
O Dia Internacional da Alfabetização, celebrado nesta segunda-feira (8), reacende o debate sobre a importância de políticas públicas e iniciativas sociais que fomentem o estudo como importante ferramenta para vencer as barreiras sociais. Thyfanny Nauanny Ferreira, de 17 anos, estudante da Escola Municipal Artur Bernardes, no bairro Canaã, em Ipatinga, encontrou na EJA uma oportunidade de recuperar o tempo perdido nos estudos, após não ser matriculada na escola quando mais jovem. Aqui na EJA, percebi que conseguirei recuperar o tempo perdido. Será muito mais rápido concluir todas as etapas”, destacou a adolescente, que sonha em concluir o ensino fundamental e médio, e iniciar a graduação de Psicologia.
Também na EJA da escola Artur Bernardes estuda José Gonçalves Peres, 56 anos. Aposentado por invalidez, ele sonha em concluir o ensino fundamental e médio em quatro anos e voltar ao mercado de trabalho em uma ocupação mais qualificada. Após iniciar seus estudos em 2020, durante a pandemia, na Escola Levindo Mariano, no Bom Jardim, ele hoje enfrenta a distância do bairro Jardim Panorama para continuar aprendendo. Analfabeto até buscar a EJA, José, que veio de Joanésia e vive em Ipatinga há 23 anos, vê na educação uma chance de superar limitações e construir um futuro melhor. Procurei a EJA porque não sabia ler nem escrever. Ipatinga está me dando uma oportunidade”, afirmou com orgulho. Vale a pena fazer EJA, melhora a gente em tudo. Não perco um dia de aula e sempre indico a escola para algum colega”.
Inclusão social
A EJA atende a um público diverso, abrangendo desde adolescentes a partir de 15 anos a idosos. Muitos alunos enfrentam ou enfrentaram barreiras como vulnerabilidade econômica, lacunas educacionais ou falta de oportunidades no passado”, explicou Maria Eliete Cruz Torres, gerente da Seção de Ensino Fundamental da Prefeitura de Ipatinga.
Para Neuza Oliveira Viana, gerente pedagógica em Coronel Fabriciano, é notório o desejo de aprendizado dos alunos. Uma clientela que tem muitos desafios, mas tem muita gratidão, porque o que a gente vê nos olhos deles é a satisfação de aprender. Tem aluno que aprendeu aqui a escrever o nome, que ainda está aprendendo as primeiras letras. Aqui o desafio é grande, mas a satisfação também é”.
Números regionais
Conforme dados da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), em escolas coordenadas pela Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Caratinga, são 929 alunos matriculados na EJA, em 35 turmas espalhadas por 11 instituições de ensino da região. Já na área abrangida pela SRE Coronel Fabriciano, são 1.612 matrículas e 55 turmas em 27 unidades.
Na rede municipal de Ipatinga, especificamente, são cerca de 300 inscritos nessa modalidade de ensino, distribuídos nas escolas Artur Bernardes; Deolinda Tavares Lamego, no Bethânia; Levindo Mariano; e Márcio Andrade Guerra, no Veneza II. Em Fabriciano, as aulas se concentram na Escola Padre Deolindo Coelho, enquanto um ônibus escolar oferece o transporte para os alunos das demais localidades do município.
Ensino
Conforme os profissionais, o currículo da EJA é cuidadosamente estruturado para oferecer uma educação significativa, conectada ao cotidiano e às necessidades dos alunos. Além das disciplinas tradicionais, o programa enfatiza temas transversais, como cidadania, direitos humanos, arte, cultura e tecnologias digitais. Também são oferecidas orientações voltadas para o mercado de trabalho, capacitando os alunos para enfrentar desafios profissionais e contribuindo para sua autonomia e realização pessoal”, garantiu Maria Eliete.
Nós pegamos pessoas de todos os jeitos, de todas as idades, com experiências diferentes e que vêm todos para somar, e isso faz a aula ficar cada vez melhor. A gente não tem que ficar chamando muita atenção, porque todo mundo já tem o seu propósito de vida na sala de aula, chega do serviço cansado e ainda está se dedicando aos estudos”, refletiu Aquiles Prates, professor na EJA em Coronel Fabriciano.
Divulgação
Gerente educacional defende que a EJA tem desempenhado um papel fundamental na promoção da inclusão educacional

Aquiles acrescenta que as dificuldades dos alunos da EJA variam de cada pessoa, mas a questão da idade pode ser um empecilho a mais: A idade muito avançada, pode por exemplo, causar um pouquinho de dificuldade na coordenação motora fina na hora de escrever, na organização da letra”, concluiu.
Como ingressar na EJA
O processo de ingresso na EJA é simples e acessível. Os interessados devem fazer a matrícula diretamente nas unidades escolares que oferecem a modalidade, apresentando documentos pessoais, como RG, CPF, comprovante de residência e documento responsável, caso não seja adulto. Se o candidato possuir documentação que ateste escolaridade anterior, como histórico escolar, ela também deve ser apresentada para facilitar a continuidade dos estudos.
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