
04 de setembro, de 2025 | 07:30
A dívida do Brasil com a primeira infância
Joice Martins Diaz *
A creche é uma das políticas públicas mais eficazes para quebrar o ciclo de desigualdades no Brasil e, no entanto, seguimos falhando em oferecê‑la a quem mais precisa. Levantamento do Instituto Todos Pela Educação mostra que apenas 4 em cada 10 crianças de 0 a 3 anos frequentam creche, abaixo da meta de 50% prevista no Plano Nacional de Educação.A desigualdade é gritante: entre os mais pobres, a frequência é de 30,6%, enquanto entre os mais ricos chega a 60%. Há ainda uma demanda reprimida robusta: pais de quase 2,3 milhões de crianças dizem querer vaga, mas esbarram na falta de oferta, na distância ou em critérios de idade. A geografia do déficit repete velhas assimetrias: Norte e Nordeste ficam atrás do Sul e Sudeste; Acre e Roraima aparecem entre os piores indicadores, ao contrário de Santa Catarina e São Paulo.
Os educadores são unânimes ao lembrar que é nos primeiros anos que se constrói a base para todo o desenvolvimento cognitivo e cerebral, para a capacidade de socialização e de lidar com as emoções, e para entender a escola como um lugar de descobertas e de afeto. A literatura internacional reforça essa tese: estudos de James Heckman (Universidade de Chicago) demonstram que investimentos na primeira infância têm retornos sociais e econômicos superiores aos de etapas posteriores; organismos como Unicef e OCDE reiteram que acesso precoce e de qualidade à educação infantil melhora aprendizagem futura, reduz reprovação e amplia a participação feminina no mercado de trabalho. No Brasil, pesquisas do IBGE e dados do Censo Escolar vêm mostrando que onde a cobertura cresce, aumentam também indicadores de permanência e transição escolar nos anos seguintes, um efeito que se soma a ganhos de segurança alimentar e proteção social.
"Os educadores são unânimes ao lembrar que é nos primeiros anos que se constrói a base para todo o desenvolvimento cognitivo e cerebral"
Embora a oferta seja municipal, isso não minimiza a responsabilidade federativa, pois a solução exige cofinanciamento e coordenação com estados e União, com metas anuais, expansão de infraestrutura onde o mapa mostra desertos de creche”, formação e carreira para profissionais, e sistemas transparentes de matrícula que priorizem vulneráveis.
O anúncio do MEC de mais de 60 mil novas vagas via PAC é um passo, mas que ainda é insuficiente e sem garantia de qualidade, localização adequada e continuidade orçamentária. É importante frisar que a formação das próximas gerações começa na creche. Só que a maior parte dos estados e municípios ainda engatinha no acesso a uma educação infantil pública de qualidade, e, adiar esse compromisso cobra um preço alto demais no futuro de milhões de crianças e no próprio desenvolvimento do país. A educação e as nossas crianças não podem esperar tanto e a necessidade de mudança é urgente.
* Graduada em Pedagogia. Pós-graduada em Gestão Educacional. Mestre em Educação e Novas Tecnologias. Atualmente atua como professora e coordenadora de cursos da área da educação da Pós-graduação do Centro Universitário UNINTER.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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