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03 de setembro, de 2025 | 08:00

As democracias podem morrer?

Antônio Nahas Júnior *

As democracias podem acabar, mesmo nos países ocidentais, que tem grande tradição democrática? Esta é a pergunta que orientou a aula magna ministrada pelo ICL - Instituto Conhecimento Liberta - com a participação do diretor do Instituto, Eduardo Moreira e do cientista político Daniel Ziblatt, autor de diversos livros, entre os quais o best-seller “Como as Democracias Morrem”.

Na aula, o cientista político, analisando diversas experiências recentes em muitos países, como a Venezuela e Hungria, relata que a substituição da Democracia por regimes autoritários - ou tentativas de substituição - não se deram inicialmente por meio de golpes de estado, como muito aconteceu na América Latina no século passado.

As ameaças à ordem democrática estão se dando a partir do voto. Isso mesmo: políticos eleitos com discursos pouco convencionais se utilizam o poder que lhes foi concedido para, aos poucos, ir minando a ordem democrática. No poder, suas ações envolvem perseguições a líderes da oposição; destruição da imagem pública de lideranças partidárias e sindicais; ameaças a grupos econômicos ou monopólios; imposição de leis cada vez mais autoritárias; fechamento de partidos políticos, até que tudo isto resulte no aumento do poder do político eleito. Mas, não nos iludamos: isto é só o começo. Quando a popularidade do político eleito vai caindo, o cortejo às forças policiais; o armamento dos seus apoiadores; o apelo à intervenção do Exército toma o seu lugar.

Este movimento autoritário tem suas raízes nas críticas e deficiências que os regimes democráticos possuem e nos aspectos negativos que o capitalismo neoliberal vem apresentando no decorrer deste século.

A maioria das pessoas espera que os regimes democráticos promovam justiça social e bem-estar para todos. Infelizmente, nem sempre isto é verdade. A democracia garante a escolha de projetos políticos e dos governantes. Mas, como vários estudiosos demonstraram, a desigualdade permaneceu inalterada ao longo do século XXI, chegando até a aumentar em alguns países. Thomas Piketty, no clássico O Capital no século XXI mostrou que o rendimento do capital cresceu ao longo deste século, o que vem se traduzindo numa concentração cada vez maior de riqueza.
“Políticos eleitos com discursos pouco convencionais se utilizam do poder que lhes foi concedido para minar a ordem democrática”


Ao lado disso, a prática da democracia não está isenta de críticas. O poder do dinheiro e o controle dos meios de comunicação podem minar a credibilidade deste sistema político. Como demonstrou o professor em sua aula, nos Estados Unidos não há limite para a utilização de dinheiro no processo eleitoral, como acontece no Brasil. A grana corre solta para todo lado.

Além disso, a época em que vivemos, quando as tecnologias controlam cada vez mais o mundo do trabalho, geram uma legião de deserdados, aqueles que se consideram excluídos e deixados para trás, nesta corrida sem fim em que se transformou o mundo econômico. O contingente da população que é excluído do mercado formal de trabalho é crescente e esta situação tende a piorar.

Esta massa de deserdados é suscetível `a adesão a movimentos populistas, que oferecem soluções simplificadas para problemas complexos. Tornam-se a base eleitoral destas lideranças, viabilizando, em muitos casos, sua eleição.

Esses líderes populistas antidemocráticos, nem sempre são eleitos com apoio das elites. São fenômenos eleitorais que sacodem os países, por razões como a que apontamos acima. Ao vê-los no poder, os grandes grupos se acomodam em torno do seu prestígio e aproximam-se das suas bandeiras e ideais. Segundo Daniel Ziblatt, foi assim com Trump.

O cenário traçado pelo cientista apresenta muitas similaridades ao que vimos no Brasil. A desconfiança na democracia, na política e nos políticos, cresceu após as denúncias de corrupção que vieram à tona na década passada (mensalão). A eleição de Bolsonaro em 2018 reflete esta situação.

Mesmo após a eleição de Lula, este quadro preocupante não se reverteu inteiramente. As taxas de crescimento do PIB são inferiores à média mundial e, embora tenha havido a execução de muitas políticas públicas inclusivas na área de saúde; educação; elevação do salário mínimo, continuamos a ser um dos países com maior desigualdade do planeta.
E, para ajudar a compor este quadro negativo, o governo Lula foi obrigado a praticar o Presidencialismo de coalizão, onde domina o Centrão, que se apropria de bilhões de reais de emendas parlamentares, retirando eficiência das políticas públicas e ameaçando a estabilidade financeira do Governo Federal.
“O compromisso com ordem a democrática não é de esquerda, direita ou centro. É um valor de toda a sociedade”


E, nos dias de hoje, quando ocorre o julgamento de Bolsonaro, a maioria das lideranças emergentes - os Governadores de Minas, São Paulo, Rio, todos eleitos e reeleitos graças à democracia - alinham-se a Bolsonaro até mesmo na defesa das tentativas de golpe de Estado praticadas pelo ex-presidente. Este paradoxo só pode ser explicado pela polarização política existente, que minou o respeito entre os adversários.

Fazemos estas observações como um alerta a todos os democratas. Não se pode brincar com a possibilidade de sermos governados e oprimidos por um ditador.

O compromisso com ordem a democrática não é de esquerda, direita ou centro. É um valor que pertence a toda a sociedade. Mesmo com todos os problemas que possa ter, a democracia permite o revezamento no poder e abre espaço para que todos decidam o futuro do país.

Vale a pena se filiar ao ICL. E, parafraseando seu diretor, Eduardo Moreira, o Conhecimento nos liberta e nos ilumina. E nos alerta.

* Economista. Empresário. Morador de Ipatinga.

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