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27 de agosto, de 2025 | 08:00

A transição religiosa

Antonio Nahas Junior *

A presença dos evangélicos na política brasileira tem sido crescente nas últimas décadas. A bancada evangélica teve crescimento vertiginoso no Congresso Nacional, turbinada pela eleição de Bolsonaro à Presidência da República. Recentemente, as mensagens trocadas entre Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia, liberadas ao público pela Polícia Federal, revelaram a intimidade e importância política deste religioso junto à família do ex-presidente. Poder e religião deram as mãos.

Esse crescimento tem base no aumento significativo da presença dos evangélicos junto à população brasileira. Os dados do Censo de 2022, tabulados e organizados pelo demógrafo José Eustáquio Diniz, revelam aquilo que ele chama de "transição religiosa". Os dados colecionados pelo pesquisador revelam que o Brasil possuía, no primeiro censo demográfico, ocorrido ainda no século XIX, 95% da população católica, aí incluídos, automaticamente, indígenas e escravos, que sequer eram considerados seres donos da sua consciência e vontade. Este percentual manteve-se acima de 80% até a década de 1990. A urbanização acelerada do Brasil, um dos países com maior população urbana do mundo; a solidão; o desencanto com o mundo urbano; a mudança abrupta de valores ocasionada pela migração campo/cidade; a ausência de políticas públicas acabou por abrir campo fértil para o crescimento das igrejas evangélicas em todo o país.

O discurso evangélico, voltado para os dilemas diários vividos pelas comunidades e o trabalho de assistência e apoio também contribuíram para este crescimento. Os migrantes se sentiram acolhidos neste novo mundo.

No século XXI tem início a redução dos católicos não apenas em percentual, mas em números absolutos, o que nunca tinha sido visto. Entre os anos 2000 e 2022, os evangélicos passaram de 15,4 para 26,45% da população, enquanto o percentual de católicos caiu de 74 para 57,15%. Chama atenção a pouca capacidade de reação e renovação da Igreja católica, que vê seu público esvair-se não por falta de fé, mas por adesão a outras religiões cristãs mais adequadas ao seu cotidiano.

No Vale do Aço, esses números são ainda mais expressivos. O percentual de católicos e evangélicos revelado no censo de 2022 é de 47,37 e 40,38 em Fabriciano; 43,92 e 42,79 em Ipatinga e 43,88 e 42,89 em Timóteo. Ou seja: nas três cidades o contingente de evangélicos e católicos é equivalente.
"Os evangélicos têm pontos que os unificam e os transformam numa força política


José Eustáquio acredita que não há um piso para queda do número de católicos. Por isto considera que, num futuro próximo, os evangélicos devem superar os católicos no Brasil. No Vale do Aço, esta realidade está muito próxima.
As consequências políticas deste crescimento ainda não estão totalmente claras. O universo evangélico é composto pelas igrejas mais antigas e conservadoras - Metodista; Batista; Adventistas -; pelas grandes igrejas que emergiram no século XX e por diversas igrejas autônomas, fundadas por missionários independentes.

Mesmo sem serem unificadas ou terem a hierarquia e a estrutura de poder da Igreja católica, os evangélicos têm pontos que os unificam e os transformam numa força política. As consequências deste crescimento virão. Seu potencial de votos deve crescer e, a se repetir o que aconteceu na década passada, tendem a se alinhar ao bolsonarismo.

As razões para isso são inúmeras. Em muitos casos são o resultado de acomodações junto ao poder, ou seja, apoio conseguido pelas diversas seitas para sua estruturação. Há também posicionamentos resultantes de alinhamento com a pauta de costumes - defesa da família; postura antiaborto -. e também projetos de poder.

Alguns estudiosos consideram que vários pastores evangélicos, entre eles, Malafaia, são adeptos da chamada "teologia do domínio", onde os cristãos deveriam exercer o poder e moldar o Estado segundo preceitos bíblicos. Nesta perspectiva, a predominância política dos evangélicos teria resultados ainda por serem analisados.

De toda forma, assistimos a mudanças profundas no país, com resultados que podem ser inesperados. Além da transição religiosa, temos a demográfica, onde a idade média da população vai aumentar, juntamente com o número de idosos. E a isto podemos somar a diminuição do contingente de trabalhadores assalariados, com o consequente crescimento dos trabalhadores autônomos, a chamada "pejotização" econômica. Tudo isto ocorre num dos países mais desiguais do mundo, apesar de ter sido governado por mais de 20 anos por governos progressistas. O futuro guarda muitas surpresas.

* Empresário. Economista. Morador de Ipatinga.

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