
26 de junho, de 2025 | 07:00
Autenticidade, ou a verdade ''reborn''
Claudia Bouman *
Os resultados favoráveis ao mercado brasileiro no último festival publicitário de Cannes, o Oscar mundial do setor, mostraram algumas das mazelas atuais a que estão expostas marcas e empresas. Na 72ª edição do evento, o Brasil foi homenageado com o título de País criativo do ano” e trouxe para casa mais de uma centena de troféus, bem como uma polêmica: um dos principais destaques nacionais foi uma campanha genial, mas cujo conteúdo inclui criação de imagens e falas sintéticas de personagens reais criadas com inteligência artificial (IA).Embora a responsável da empresa em foco na propaganda tenha reafirmado a ação como reflexo da criatividade da marca, nem ela, nem sua agência, divulgou a autorização de tais personagens para a manipulação de suas imagens e vozes e a organização do festival anunciou ter iniciado divulgação sobre a peça em questão.
O fato mostra o risco de deixar de lado a autenticidade como uma das qualidades capazes de criar valor para a reputação de empresas e marcas. Embora a propaganda lide muitas vezes com questões aspiracionais para estimular seus públicos, em tempos de mídias sociais e informações fartas fica mais difícil acreditar em testemunhais antes soberanos, como o de Elizabeth Taylor, atriz de cinema que em 1956 afirmava usar sabonete Lever para garantir sua pele perfeita.
Testemunhais, aliás, merecem capítulo especial no campo da autenticidade. Recentemente a cantora Anitta passou a estrelar campanhas de comunicação do banco digital Mercado Pago. Isso depois de ter participado do conselho de administração do concorrente Nubank, deixando a posição depois de 14 meses (em entrevista à imprensa um dos fundadores do banco detalhou que o posicionamento político da cantora, apoiadora do atual presidente Lula, não teria repercutido bem entre todos os clientes).
Resultado: na apresentação da nova parceria à imprensa, a artista várias vezes alfinetou” o antigo parceiro com comentários do tipo o relacionamento com banco digital não estava rendendo” ou me sinto com mais voz para falar para meu público vir para algo mais vantajoso”.
Valeu a pena?
A personalidade estava sendo autêntica antes, ou agora?
O caso não é o único. Cerca de dez anos atrás, o cantor Roberto Carlos estreou campanha do frigorífico JBS afirmando ter abandonado o vegetarianismo de 30 anos. Outro artista, Zeca Pagodinho, passou de garoto propaganda da Schincariol para a Brahma cantando, em um comercial, uma música cujo refrão ironizava sua passagem pela então Nova Schin”: fui provar outro sabor, eu sei, mas não largo meu amor, voltei”.
Foi o início de uma batalha que envolveu comerciais (incluindo um sósia do cantor em propaganda da Schin com placa onde se lia: Prato do dia: traíra”), ações judiciais de ambos os lados e finalmente proibição. Depois de quatro meses, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) proibiu a veiculação de comerciais da Brahma com o cantor.
De novo... teria valido a pena?
Hoje o cenário se desenrola com influenciadores. Recentemente, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Senado, expôs o tamanho da encrenca envolvendo o patrocínio de influenciadores no crescimento das apostas online (as bets), com garotos-propaganda como Neymar e Virginia Fonseca (quem??? Influenciadora digital com 28,7 milhões de seguidores, empresária com marcas próprias de beleza e moda, ex-nora do cantor Leonardo e apresentadora de programa do SBT).
"Em tempos de mídias sociais e informações fartas fica mais difícil acreditar em testemunhais antes soberanos"
Eles têm audiência? Sim. Credibilidade? Idem, para muitos. Autenticidade? Aí resta dúvida. Seriam o jovem Ney e a mocinha apostadores contumazes das plataformas que divulgam? (Aqui cabe aquele lembrete básico, principalmente para empresas de menor porte que querem ter apoio de testemunhais: buscar autenticidade, ou garantia de aderência de valores entre sua marca e os divulgadores, é um dos primeiros passos para não entrar em roubada.)
O filho de um de nossos parceiros trouxe exemplos interessantes neste campo. Um de seus amigos gamers foi, por um tempo, divulgador de bets jogando ao vivo e, sincerão, pediu para nenhum amigo gastar dinheiro com isso. Eles me dão dinheiro para apostar”, explicou. Outra experiência foi a compra de sorvete sabor limão, que custava metade do sabor torta de limão”.
- Qual a diferença? perguntou à balconista.
- O mais caro é muito melhor respondeu a mocinha.
Honesta? Talvez. Autêntica? Ainda que não fosse verdade, sim... mesmo se sua opinião tivesse sido guiada apenas de olho na comissão pela venda.
O campo de vendas, aliás, é fértil para a falta de autenticidade. Mas não faltam teorias a comprovarem que essa qualidade gera confiança e lucros, na medida de sua capacidade de levar clientes a voltarem a comprar produtos e marcas em quem confiam.
Também recentemente, impactos gerados por fake news e greenwashing comprovaram o valor da autenticidade. Marcas como Saraiva, Farm e Samsung foram envolvidas em golpes em mídias sociais. Já a prática de anunciar ações sociais ou em prol do meio ambiente, nem sempre tão reais, tornou-se velha conhecida de consumidores que passaram a perceber como, muitas vezes, a verdade era menos verdinha” do que a apresentada.
Iniciativas para tornar a reputação em fonte de receitas podem se beneficiar bastante da autenticidade com que as empresas e marcas reforçam seus valores e lidam com eles no dia a dia. Isso pode fazer com que clientes e consumidores reconheçam o que poderia ser chamado de verdade reborn” a sinceridade de quem afirma o que é e por que, sem vergonha de ser feliz.
* Especialista em reputação de marca e sócia da Percepta Reputação Empresarial. Mestre em Comunicação, pós-graduada em Marketing pela ESPM e Flórida International University.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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