19 de junho, de 2025 | 07:30
A infertilidade feminina em alta e o impacto na vida de todos nós
Márcia Mendonça Carneiro *
A incapacidade de engravidar após um ano de atividade sexual regular define a presença de infertilidade que, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) atinge uma em cada seis pessoas no mundo. Em 2021 cerca de 110 milhões de mulheres enfrentaram dificuldades para engravidar sendo o grupo entre 35 e 39 anos o mais afetado. O número é surpreendente quando comparado a dados da década de 90, refletindo um aumento de 84% na infertilidade feminina.As tendências mundiais de infertilidade feminina nos últimos 30 anos foram avaliadas em um artigo recente publicado na respeitada revista Scientific Reports. A obstrução das trompas é uma das principais causas de infertilidade feminina, também os distúrbios ovulatórios, como a síndrome dos ovários policísticos, e a endometriose. Outros fatores que afetam a fertilidade feminina são as alterações ambientais, hormonais e genéticas.
É importante ressaltar que mulheres inférteis parecem apresentar risco maior de desenvolver câncer e a presença de endometriose, por exemplo ,parece estar associada a maior incidência de doenças autoimunes e cardiovasculares. Compreende-se daí a amplitude da questão e a necessidade de mais pesquisas para estudar a infertilidade feminina. Some-se a isso o fato de que a infertilidade masculina pode estar presente em até 40% dos casos.
A tendência de adiamento da maternidade observado em todo o mundo contribui para o problema visto que há uma queda natural da fertilidade a partir dos 35 anos. O fato é que os ovários começam a envelhecer de maneira irreversível a partir dos 35 anos de idade e não há maneiras eficazes de reverter esse processo e restaurar a chamada reserva ovariana.
Obesidade, tabagismo, exposição aos disruptores endócrinos, poluição ambiental, aquecimento global e doenças como a endometriose são fatores que podem comprometer ainda mais a reserva ovariana e, consequentemente a fertilidade da mulher. Outro dado relevante foi o aumento na incidência de infecção sexualmente transmissíveis que também contribuem para a infertilidade feminina.
O amento da infertilidade associado às baixas taxas de natalidade globais chamou a atenção de entidades internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Fórum Económico Mundial, visto que o bem-estar social e econômico está intimamente ligado ao crescimento populacional uma vez que o funcionamento dos sistemas de aposentadorias e cuidados de saúde depende de um número mínimo de pessoas jovens trabalhando. Em vários países da Europa e Ásia este número está abaixo dos desejáveis 2 filhos/mulher. O envelhecimento populacional combinado com a queda acentuada das taxas de natalidade poderá criar um desastre demográfico com efeitos econômicos desastrosos que afeta a vida de todos nós.
"A tendência de adiamento da maternidade contribui para o problema, visto que há uma queda natural da fertilidade a partir dos 35 anos"
A situação é alarmante mesmo em países com elevada natalidade como China e Índia. Em nosso país, dados divulgados recentemente pelo IBGE revelam que a taxa de fecundidade do Brasil vem caindo nos últimos anos enquanto houve um aumento de 56% no número de partos em mulheres na faixa de 35 a 39 anos com redução naquelas com menos de 30 anos. Tais números espelham o adiamento da maternidade cada vez mais frequente.
O desenvolvimento de avançadas técnicas de reprodução assistida (TRA) surgiu como solução para as várias situações relacionadas à infertilidade feminina. Infelizmente, o diagnóstico e tratamento da infertilidade não estão disponíveis para todos em vista dos elevados custos.
Outra questão é que mesmo com o uso de TRA, a idade feminina é um fator que afeta as taxas de sucesso. Para complicar ainda mais a situação, as mulheres precisam lidar com um mercado de trabalho que nem sempre acolhe a maternidade. Na verdade, conciliar a maternidade com a carreira é uma tarefa hercúlea e os níveis de burnout (esgotamento físico e mental) nessas mulheres têm aumentado.
Infelizmente, as pesquisas recentes revelam que a maternidade é ponto importante de desigualdade salarial e avanços na carreira, o que tem levado muitas mulheres jovens a desistir de engravidar. O acesso a benefícios como creche ou licença parental para cuidar de uma criança doente, por exemplo são privilégio de poucas.
Junho é o mês dedicado à conscientização sobre infertilidade e entidades médicas e científicas como a Federação Internacional de Sociedades de Infertilidade (IFFS), que congrega associações de todo o planeta reforça a campanha #MaisAlegria (#MoreJoy)” chamando a atenção para o problema.
Neste contexto, é preciso educar a população, empresas e governos e a sociedade em geral sobre as várias facetas da infertilidade feminina e suas consequências. A capacidade de engravidar e ter um filho, bem como o direito de ter acesso a informações sobre a saúde reprodutiva é um direito humano fundamental estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os dados disponíveis revelam que a prosperidade, a alegria e o crescimento econômico serão a recompensa para as sociedades que trabalham em prol do acesso universal à saúde reprodutiva feminina e à construção de famílias.
* Ginecologista do Hospital Biocor/ Rede DOr, Professora Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Faculdade de Medicina da UFMG
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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