DIÁRIO DO AÇO SERVIÇOS 728X90

14 de junho, de 2025 | 07:30

Cem anos de um discreto e sagaz vampiro

Silvia Bocchese de Lima *

Entre as inúmeras características que já atribuíram a Dalton Trevisan – bem-humorado, extraordinário, artista da palavra, contista magistral, inventor, premiado, grande paisagista de Curitiba, incansável operário das letras, um dos maiores escritores do país –, a de vampiro certamente seria execrada por Rui Werneck de Capistrano, que não admitiria que o chamassem assim. No Correio de Notícias, ele reclamou, na década de 1990, que apontavam Dalton como “vampiro de almas”, afinal ele não era “tão pouco vampiro disso quanto daquilo”. Para ele havia excessos no uso da expressão: “em qualquer artigo ou resenha já soltam uma frase de efeito com vampiro no meio”.

Deixando o notívago caçador de sangue de lado, cabe a Dalton Trevisan, em 2025, o título de centenário – em 14 de junho ele completaria 100 anos de idade – e, ao homem que era discreto, não dado aos holofotes, inúmeras homenagens lhe serão rendidas – que certamente, se estivesse vivo, não compareceria a nenhuma. Foi assim com as maiores e mais importantes premiações da literatura brasileira e portuguesa que recebeu e não compareceu: a três Oceanos – antigo Portugal Telecom de Literatura Brasileira – a Camões e Machado de Assis, ambos em 2012, e a alguns dos quatro Jabutis a ele concedidos.

Apesar de todo o mistério que o rondava, do silêncio e da esquiva pública, cultivava amizades e, também, rivais literários. Dalton nutriu um hábito de resistência cultural, afetividade e, por que não, de atitude estética – o de escrever cartas e bilhetes – carregando uma marca singular em sua comunicação com amigos e alguns privilegiados leitores ao longo de sua vida. Trocava correspondências com Carlos Drummond de Andrade, Poty Lazzarotto, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Antônio Cândido e Mário de Andrade e, aos desafetos, a crítica e o sarcasmo eram publicados em jornais.

Afiado e sem poupar palavras em suas avaliações literárias, Dalton – um escritor moderno e subversivo como ele se intitulou – foi contundente ao se referir a Emiliano Perneta como medíocre, dizendo que em vida não foi o poeta que poderia ser e que a morte o transformou no poeta que não foi; que teve uma experiência poética frustrada em todos os sentidos e os poemas que produziu foram feitos para serem “recitados nas sessões lítero-musicais dos colégios em festa no dia da árvore”.
“Cabe a Dalton Trevisan, em 2025, o título de centenário – em 14 de junho ele completaria 100 anos de idade”


Algumas rixas públicas de Dalton beiraram ao escárnio, como os apelidos e insultos que proferiu, que foram de araponga louca a hiena papuda.

Nos periódicos de circulação nacional e aqueles distribuídos na Curitiba que tanto retratou em seus contos, Dalton também foi alvo de críticas. Carlos Jorge Appel, no Correio da Manhã, chegou a dizer que o escritor via a vida pela metade. “Dalton caminha em busca daqueles dons que fazem o gênio: a medida e a universalidade. A medida, arte de dominar pensamentos, de selecionar situações e condensar os momentos reveladores do conto, ele a possui. A universalidade, faculdade de ver a vida em conjunto, de representá-la em todas as suas manifestações, ele ainda não a possui. É um escritor que conhece bem seu mundo, mas deixa a sensação de só conhecê-lo à noite”.

Não faltaram elogios na Tribuna da Imprensa ao considerá-lo “desde muito o maior contista moderno do Brasil por três quartos da melhor crítica atuante”. O jornalista e escritor João Antônio ressaltou que o criador de Nelsinho era um trabalhador incansável, fidelíssimo ao conto, elaborava seus textos até à exaustão e com o que ele classificou como “economia mais absoluta”, a ponto de chegar ao tamanho de um haicai. O escritor Ernani Buchmann foi além, prevendo que se Dalton continuasse a escrever, ainda faria uma obra-prima: “escreveria um conto começando pelo ponto final”.

O Sesc PR celebra a vida e a obra de Dalton Trevisan na 44ª edição do maior evento literário do Paraná – a Semana Literária e Feira do Livro – que ocorrerá de maneira simultânea, de 13 a 17 de agosto, em 27 cidades do estado. Como Dalton teve Curitiba como sua cidade inspiração, a temática abordada neste ano será Cidades Literárias.

* Jornalista.

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]
Mak Solutions Mak 02 - 728-90

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Envie seu Comentário