13 de junho, de 2025 | 08:45

Psicanalista de Ipatinga aponta riscos de utilizar IAs como ''amigas'' ou ''conselheiras''

Por Isabelly Quintão - Repórter Diário do Aço
Uma pesquisa elaborada pela empresa Talk Inc aponta que 1 a cada 10 brasileiros utilizam a inteligência artificial como amiga ou conselheira para desabafar questões pessoais. O dado foi divulgado no fim do ano passado, e é visto cada vez mais na prática com os frequentes relatos na internet de usuários que consideram a IA uma terapia ou já dialogaram com as ferramentas a fim de aliviar determinadas emoções ou buscar ajuda para tomar decisões.

Em entrevista ao Diário do Aço, o psicanalista Charles Magalhães explicou o que leva as pessoas a terem esse tipo de comportamento e quais perigos há por trás dessa prática. O especialista atua em um consultório no bairro Cidade Nobre, em Ipatinga, mas também atende de forma virtual pacientes que moram na capital mineira ou residem no exterior: Portugal, Espanha, Estados Unidos entre outros países.

O mesmo estudo mostra que 73% das pessoas se preocupam com a privacidade de dados, a coleta e análise de informações pessoais, mas, ao mesmo tempo, abrem a vida pessoal de forma indiscriminada. Charles enfatiza que a IA pode conseguir reafirmar algo que alguém busca, mas ela não irá, muitas das vezes, confrontar ideias e formas de pensar. “Então fica a pergunta: a pessoa busca realmente uma solução para seus conflitos internos ou uma amiga para dizer que a sua forma de pensar está correta?”, indaga.

O que leva ao comportamento?
O psicanalista destaca que a situação é alarmante e existem razões que podem levar à busca de um “ombro amigo”. Segundo o terapeuta, uma delas é a experiência negativa com algum profissional, levando a uma dúvida em relação à eficácia da técnica. “Existem diversas abordagens, eu utilizo a psicanálise, um método de investigação do inconsciente que, por meio da fala e da relação terapêutica, busca compreender e elaborar conflitos psíquicos para promover autoconhecimento e alívio do sofrimento”, afirmou. Para ele, uma pessoa pode não ter afinidade com determinado terapeuta ou técnica utilizada, mas quando faz a troca, tem um melhor desenvolvimento.

O imediatismo para solucionar os conflitos internos também pode ser um ponto a ser considerado, visto que o processo de análise, da psicanálise, psicoterapia e psicologia é um acompanhamento que pode ser de meses ou até mesmo anos.

“Cada ser humano é único e tem suas aflições, mas as pessoas querem resolver um conflito que carrega há décadas em duas ou três sessões. Querem disponibilidade em horário integral. Devido ao imediatismo, desejam recorrer a um tipo de ajuda no mesmo momento que estão passando por um problema, 24 horas por dia e sete dias na semana”.

Charles acrescenta que a crença de que não há como pagar pelas sessões de um profissional também influencia. “No entanto, existem muitas opções para isso. Eu, por exemplo, trabalho com valores acessíveis e reservo alguns horários em minha agenda para atendimentos sociais. Existem ainda atendimentos gratuitos na rede pública, por meio do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)”.

Ausência de um “outro”

A psicanálise enfatiza a importância da relação humana e da alteridade no processo terapêutico, o que traz a reflexão de como a ausência de um "outro" real na interação com os chatbots pode afetar o desenvolvimento da capacidade de elaboração profunda sobre si.


Conforme explica Charles, a tecnologia utiliza informações prontas que estão disponíveis num banco de dados e faz uma análise lógica da situação apresentada, mas a mente humana não é extremamente lógica. “Os pensamentos, imaginações e a forma de reagir a determinada situação são únicos, pois cada um passou por experiências diferentes ao decorrer de sua vida”, salienta.

Ele menciona que já testou a IA de duas formas, primeiramente, analisando e apresentando toda uma história de vida, pedindo para que ela fosse uma “terapeuta”, baseando-se em todos os conhecimentos disponíveis de psicanálise no mundo, citando alguns autores como base. “Com duas perguntas que ela me fez, já chegou a uma conclusão do que eu estava passando. Mas num processo terapêutico a pessoa não faz essa elaboração de forma tão rápida pois está com seus conflitos internos, baseados numa vida inteira que não foi contada por completo”.

Já na outra simulação, criou uma personagem para a tecnologia representar, com uma história de vida ampla e detalhada, e Charles seria o analista. “Por volta de dois minutos de conversa, ela já elaborou os seus ‘conflitos’ e ‘descobriu’ onde estava a raiz de seus problemas. Em ambos os casos, mostrou que a lógica sobressaiu à cognição humana, que consegue fazer uma elaboração de causa e consequência de maneira muito rápida, mas muitos detalhes de experiências vividas não são contados”, relata.

Perigos da dependência

O terapeuta alega que muitas pessoas não percebem que a informação que lhes é apresentada baseia-se em outras que já estão na internet e somente é analisada e condensada para se tornar uma resposta às dúvidas questionadas. Complementa, ainda, que o maior prejuízo que pode ser causado à humanidade é a redução do pensamento crítico.

“Assim como o GPS reduziu a capacidade do ser humano de ter um senso de direção apurado, as inteligências artificiais podem reduzir a capacidade de solucionar problemas pessoais de forma independente e capacidade de síntese e argumentação”, conclui.

É possível entrar em contato com Charles Magalhães por meio do telefone (31) 97247-5719, Instagram @oTerapeutaCharles ou www.charlesmagalhaes.com.br.