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01 de junho, de 2025 | 20:20

Cavernas do Peruaçu: um elo perdido com os antepassados dos mineiros

Alex Ferreira
Lugar pré-histórico no norte de Minas Gerais reserva uma surpresa em cada gruta ou caverna Lugar pré-histórico no norte de Minas Gerais reserva uma surpresa em cada gruta ou caverna
Por Alex Ferreira - Jornalista do Diário do Aço
Um complexo de cavernas sob uma serra de calcita que se estende por mais de 100 quilômetros esconde o elo perdido entre a atual civilização e os primeiros habitantes da história do território onde seria criado mais tarde o estado de Minas Gerais. Pinturas rupestres, desconhecidas até mesmo pelo povo Xacriabá, que habita a região, apresentam um suave indício de que um povo desconhecido viveu nas profundezas do grande sertão mineiro, entre 2 mil e 12 mil anos atrás. Lascas de pedras encontradas em sítios arqueológicos indicam pontos onde humanos deram os primeiros passos à fabricação de ferramentas necessárias à sua subsistência. Assista ao vídeo sobre o lugar pré-histórico, ao fim da reportagem.

Embora nascido na região, um condutor que leva visitantes às poucas cavernas e grutas abertas à visitação pública, não se cansa de olhar os painéis gigantes onde estão registradas histórias indecifráveis. Pesquisadores do mundo inteiro já reviraram as cavernas, sítios arqueológicos e os paredões com as pinturas, chegando apenas a suposições. É um mar de segredos guardados nas entranhas da serra e profundezas das cavernas tomadas por estalactites, estalagmites e suas torres milenares, que lembram os grandes templos religiosos.

Segredos
No ambiente pré-histórico do Peruaçu faz sentido o que escreveu, quando perambulou pelo grande sertão, no começo da década de 1950, o médico e escritor João Guimarães Rosa: “Cada paisagem guarda segredos e cada curva no caminho traz uma nova aventura”.

Essa paisagem fica localizada no Norte de Minas Gerais, e uma parte substancial dela está dentro do Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu, que abrange os municípios de Januária, Itacarambi e São João das Missões. A unidade de conservação é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Trata-se de uma área preservada de 56.448 hectares. Ao seu redor existe também uma Área de Preservação Permanente (APA) que amplia ainda mais a área de preservação. O Parque Nacional Cavernas do Peruaçu foi criado por decreto em 21 de setembro de 1999 e tem como principal objetivo proteger paisagens emolduradas pela arte rupestre pré-histórica, em sítios arqueológicos milenares de importância internacional e cavernas de grandeza colossal.
Alex Ferreira
O rio Peruaçu, cuja força esculpiu as cavernas há milhares de anos, agora é um pequeno ribeirão que ainda corre no interior das lapas O rio Peruaçu, cuja força esculpiu as cavernas há milhares de anos, agora é um pequeno ribeirão que ainda corre no interior das lapas

Sobrevivente
Os nativos contam que o parque é um sobrevivente do avanço da atividade de mineradoras que, até o fim da década de 1990, insistiam em devastar a área em busca dos vários minerais que existem no local, alguns deles de grande valor para a indústria moderna, dentre eles, o nióbio. Foi a própria população local que, com o apoio de cientistas do Brasil e do mundo, iniciou a resistência à devastação iminente. Com a criação do parque, áreas particulares foram desapropriadas.

De um total de 150 cavernas e grutas já mapeadas, apenas uma parte é aberta à visitação pública. A entrada no parque, entretanto, só é permitida com o acompanhamento de um guia. As normas para a visitação são rigorosas, e há limitação de público nos locais mais sensíveis. A medida visa reduzir o impacto da presença de pessoas no ambiente e também garantir a segurança.

Origem do nome
O nome Peruaçu refere-se ao rio que corta a cadeia de serras de calcita, rocha calcárea abundante naquela parte do Norte de Minas Gerais, e teria sido dado pelos indígenas que residem na região: os Xacriabás, que estão entre as principais etnias de povos originários no país. Com base na linguagem deles, “peru” é buraco (vala, fenda); “açu” significa grande. Entende-se, dessa forma, que as referências podem ser relativas às fendas ou grandes cavernas formadas pelo rio na rocha, no vale do Peruaçu. Antes caudaloso, hoje o Peruaçu não passa de um córrego, dada a devastação do Cerrado onde estão as nascentes que abasteciam o manancial.

Alternativa de renda
O parque foi estruturado somente em 2014 e aberto para visitação pública. Com recursos financeiros oriundos de um Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a Fiat Automóveis e o Ministério Público Federal, a título de reparação de danos ambientais, foram demarcadas trilhas, construídos mirantes, passarelas de proteção a sítios arqueológicos e centros de apoio ao visitante.
Alex Ferreira
Agora condutor, Juscelino Nery, voltou à sua terra natal, Januária, depois de trabalhar fora, na construção civilAgora condutor, Juscelino Nery, voltou à sua terra natal, Januária, depois de trabalhar fora, na construção civil

Para a abertura ao público, foi necessário criar um grupo de condutores ambientais treinados pelo ICMBio para garantir o acesso seguro dos visitantes. Todas as visitas são feitas com condução obrigatória. A lista de condutores credenciados pode ser acessada na página do Parnaperuaçu. A iniciativa abriu uma frente de geração de emprego e renda para nativos da região. Atualmente, essa atividade já gera renda para a segunda geração de condutores, residentes nos três municípios de abrangência do parque.

Nativo
O condutor Juscelino Nery reside na comunidade Fabião, em Januária, a mais próxima da entrada do parque. Ele explica que é mestre de obras e trabalhava no ramo da construção civil. Esteve fora de sua terra natal por muitos anos, mas decidiu voltar e dedicar-se ao trabalho com turistas.

“Trabalhar fora é compensador, mas nada que se compare a voltar para o lugar onde estão familiares e amigos. Antes do parque ser criado, toda essa área era nosso quintal. Cresci nestas cavernas, pescava e me banhava no rio Peruaçu e, hoje, é um prazer trazer os visitantes aqui, para que tenham essa experiência. Muitas pessoas saem das metrópoles, visitam as cavernas de forma silenciosa, como se fizessem uma conexão ancestral”, detalha.
Alex Ferreira
Área preserva do Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu tem mais de 56 mil hectares e esconde segredos ancestrais   Área preserva do Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu tem mais de 56 mil hectares e esconde segredos ancestrais

Como visitar
Para visitar o Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu, é necessário fazer contato com um guia e assegurar a reserva. A entrada no parque é gratuita, e o pagamento do serviço do condutor é negociado diretamente com o profissional. O visitante pode ficar hospedado em Januária (45 km do parque), Itacarambi (15 km) ou nas comunidades próximas à portaria. Há algumas pousadas na estrada de acesso à unidade de conservação. A visitação pode ser feita em grupos, casais, ou de forma individual.

Imersão em um lugar pré-histórico

Adentrar às entranhas das cavernas é uma experiência imersiva sem igual. “Vamos ficar em silêncio e escutar o que a caverna tem para nos falar”, recomenda Juscelino Nery em uma das paradas no interior da Lapa do Rezá, uma das maiores do complexo. Os gigantes painéis de pinturas rupestres também têm muito a dizer, mas as mensagens, até hoje sem serem decifradas oficialmente, ficam abertas à livre interpretação de cada espectador, tal como as grandes a obras de arte nos museus.

“Os primeiros pesquisadores que estiveram aqui nos anos 1980 foram os franceses. Eles trouxeram os Xacriabás, cujas aldeias ficam ao norte do parque, e perguntaram a eles sobre as pinturas. Ninguém soube informar sobre o seu significado. Ficou claro que não foram os indígenas quem as fizeram, mas sim, uma geração muito anterior”, observa Juscelino.
Alex Ferreira
As pinturas rupestres até hoje sem serem decifradas oficialmente, ficam abertas à livre interpretação de cada espectadorAs pinturas rupestres até hoje sem serem decifradas oficialmente, ficam abertas à livre interpretação de cada espectador

Os roteiros para visitar o Parnaperuaçu podem ser divididos em um, dois ou três dias. Para visitar todos os atrativos do parque é necessário dedicar três dias. As trilhas são de moderadas a difíceis e não são recomendadas a pessoas com dificuldade de locomoção ou sedentárias. A maioria delas requer condicionamento físico adequado para esse tipo de atividade. As caminhadas podem durar até sete horas por dia, a depender do ritmo de cada pessoa ou grupo.

Além dos três dias de visitação ao parque outra dica importante é visitar as cidades vizinhas, Januária e Itacarambi, cuja história está relacionada ao lendário rio São Francisco. Citada repetidas vezes nas obras de Guimarães Rosa, Januária é a cidade polo daquela parte do sertão mineiro. Veja, abaixo, vídeo do Parnaperuaçu.



Importante: Trilhas de moderadas a difíceis

Para se chegar a qualquer um dos atrativos dentro do Parnaperuaçu, é necessário ter disposição para encarar caminhadas que podem começar às 8h e ir até as 15h, incluindo as paradas. É necessário levar lanche de trilha e água suficiente para o período que vai durar a atividade. Oriente-se com o seu condutor. Nas trilhas não há água potável. As trilhas são consideradas de nível moderado a difícil em alguns trechos. Embora bem demarcadas, sinalizadas e conservadas, as trilhas percorrem matas e são compostas por subidas e descidas íngremes. Quem for fazer os passeios precisa ter condicionamento físico adequado. Não é uma atividade para sedentários.

Alex Ferreira
Tanto fora quanto dentro das cavernas e grutas é necessário caminhar pelas áreas demarcadasTanto fora quanto dentro das cavernas e grutas é necessário caminhar pelas áreas demarcadas

Alex Ferreira
A Perna da Bailarina é considerada a maior estalactite do mundo, com 28 metrosA Perna da Bailarina é considerada a maior estalactite do mundo, com 28 metros

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Comentários

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Jna

01 de junho, 2025 | 11:40

“O BERÇO DOS HERÓIS
Esconderijo de Fugitivos da Guerra

Conheço uma belíssima caverna da região da Fazenda Vista Alegre, localizada entre os distritos de Quartel Sacramento e Passa Dez, no território de Bom Jesus do Galho.

Jésus, nascido no terreno onde está encravada a histórica gruta de pedra na área de pastagem da antiga fazenda dos pais, revelou que o local foi usado como esconderijo de homens que temuam o recrutamento forçado para a frente de batalha na Segunda Guerra Mundial.

Lembro que meu saudoso pai contava que ele também se escondeu das tropas na extensa região coberta de mata fechada que vicejava na zona rural de Alpercata.”

Jbornaki

01 de junho, 2025 | 09:49

“Excelente reportagem Alex. Resgate da história através dos nossos ancestrais!”

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