20 de maio, de 2025 | 07:00

O trem tá mesmo feio!

Nena de Castro *

Quando Dona Inês se mudou para a ilha de Guriri, em São Mateus (ES) moravam no local 17 famílias. Tinha pernilongo pra chuchu, neca de água em casa (pegávamos em uma torneira defronte à igreja católica) víveres, a gente ia em São Mateus pra buscar, mas passando pela estrada antiga, ainda não existia aquela ponte sobre o Rio Mariricu que hoje dá as boas-vindas aos visitantes. Mamãe logo fez amizade na comunidade, rezava o terço com os moradores, ajudava a quem precisava e era conhecida por todos como a Tinez. Íamos pra lá, Tati bem pequena, Tiago ainda bebê e era uma festa comer os biscoitos de polvilho, rosquinhas e broas que a vovó assava no forno construído por suas mãos.

Era divertido também passear na praia ao anoitecer, quase sempre deserta, não havia perigo algum por ali, às vezes passava um grupo de pessoas que nos cumprimentava e alguém dizia: “é o genro e a filha da Tinez, dando uma volta”.

Mamãe morou lá por muitos anos, gostava muito até que ficou difícil pela idade e ela voltou pra GV. Durante o tempo em que viveu lá, passou por muitas peripécias, entre as quais uma que descrevi numa crônica, há tempos: um dia, ela e sua amiga Maria do Bento terminaram as compras e foram para o ponto de ônibus para voltar pra ilha. Nisso chegou uma senhora com um nenê, protegido por uma manta. Falando palavras ternas para a criança, a senhora se assentou numa pedra, abriu uma bolsa que carregava, tirou outro par de roupas, despiu a criança e a vestiu com a roupa limpa. Ofereceu a mamadeira, limpou a boca da criança e começou a contar que tinha dificuldade em engravidar, mas fizera uma promessa pra Santo Antonio e o nenê viera. Alegou que o bebê arrotara e trocou novamente sua roupa.

Enfim, seu ônibus apareceu, ela se despediu, pegou a sacola e segurando firmemente o nenê, embarcou e se foi. Mamãe e a amiga olharam uma para a outra, não sabiam se riam ou choravam, consternadas, vez que o nenê cuidado com tanto zelo - era um bebezão da Estrela!

Tudo isso me veio à memória, meus amados cinco leitores, ao ler a notícia de que o prefeito de Curitiba, dada a “febre” com os chamados bebês Reborn que estão sendo usados para fins diversos, inclusive para pleitear lugar nos ônibus da capital, já baixou um decreto ameaçando de prisão quem levar o bebê pra consultar na rede pública, coisa que já aconteceu.

Valha-nos Deus! E o padre Cristyan Shankar, de Divinópolis, já avisou que não realiza batismos, nem missa de primeira comunhão, nem catequese para os bebês Reborn e que tais casos devem ser encaminhados ao psicólogo, psiquiatra ou ao fabricante das bonecas.

Dá vontade de traduzir o ditado latino “ó tempera, ó mores” (ó tempos, ó costumes!) como “tempo de mouros”- ops! De mouros eu não sei, mas que os tempos estão difíceis, árduos, com pessoas desorientadas e infelizes, buscando compensar o vazio de suas vidas com coisas estranhas, eita ferro!

Tanta tecnologia, tantas descobertas, tantas facilidades, mas pagamos um alto preço em nossas vidas desconectadas do belo, da natureza, da simplicidade, estamos todos órfãos. Então me lembrei do lamento de Adélia Prado nesse poema:
ORFANDADE
Meu Deus,
me dá cinco anos.
Me dá um pé de fedegoso com formiga preta,
me dá um Natal e sua véspera,
o ressonar das pessoas no quartinho.

Me dá a negrinha Fia pra eu brincar,
me dá uma noite pra eu dormir com minha mãe.
me dá a mão, me cura de ser grande,
ó meu Deus, meu pai,
meu pai.

E nada mais ouso dizer, a não ser: tenham uma ótima semana, meus queridos cinco leitores. Loviu!
* Escritora e contadora de histórias

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