14 de maio, de 2025 | 07:30
13 de maio e a escravidão moderna no Brasil
José Giovani de Carvalho Andrade *
O dia 13 de maio é, oficialmente, o marco da abolição da escravidão no Brasil. Mas, como auditor-fiscal do trabalho em Minas Gerais, posso afirmar com tristeza e convicção: ainda não alcançamos a verdadeira liberdade para todos. Em 2024, mais de 2 mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em nosso país. Só em Minas Gerais, foram 500 vítimas, o que corresponde a 25% do total nacional. Os números são alarmantes, mas são também reflexo da presença ativa da Auditoria-Fiscal do Trabalho no enfrentamento a essa chaga.Desde 2013, Minas conta com um grupo especializado no combate ao trabalho escravo. Atuamos em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e outras instituições. Juntos, conseguimos realizar 136 operações fiscais só neste ano no estado. O papel da Delegacia Sindical do SINAIT em Minas Gerais tem sido fundamental nesse esforço. Essa estrutura articulada e comprometida é o que permite salvar vidas, garantir direitos e dar um novo começo a tantas pessoas.
Os casos que encontramos em campo são chocantes. Trabalhadores alojados em locais insalubres, sem acesso à água potável, submetidos a jornadas exaustivas, sem qualquer direito garantido. Mais de 130 anos após a assinatura da Lei Áurea, ainda precisamos lidar com essas violações inaceitáveis. O combate ao trabalho escravo não pode ser sazonal ou protocolar ele precisa ser contínuo, articulado e tratado como prioridade de Estado.
Os casos que encontramos em campo são chocantes”
Em 2024, o perfil das atividades econômicas com mais resgates incluiu tanto o meio rural quanto o urbano. Na construção civil, foram 293 trabalhadores resgatados. No cultivo de café, 214. Também foram identificadas vítimas no cultivo de cebola, em serviços de preparação de colheita e até na horticultura. O crescimento das ocorrências em áreas urbanas chama atenção: 30% dos resgates aconteceram em cidades. Até mesmo no trabalho doméstico, ainda enfrentamos esse problema, com 19 trabalhadores resgatados em 22 ações específicas.
Desde 1995, mais de 65 mil pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão no Brasil. Mais de R$155 milhões em verbas trabalhistas e rescisórias foram pagos às vítimas entre 2003 e 2024. Isso mostra que o Estado brasileiro tem, sim, instrumentos eficazes para enfrentar essa realidade. Mas também evidencia que estamos longe de erradicar de vez essa violação tão grave dos direitos humanos.
A abolição verdadeira não virá apenas com a repressão. É preciso enfrentar as causas estruturais da escravidão contemporânea: a pobreza extrema, a desigualdade, a falta de acesso à educação, à moradia digna e ao emprego formal. A erradicação definitiva do trabalho escravo exige políticas públicas integradas, investimentos contínuos e o fortalecimento das instituições que atuam na linha de frente dessa luta. É preciso vontade política e o envolvimento ativo da sociedade civil.
Minas Gerais tem mostrado que é possível avançar, mesmo com a escassez de auditores, com estruturas sucateadas e sob pressão política. Mas ainda há muito a fazer. O caminho para a abolição definitiva está sendo construído. E ele passa por nós auditores, servidores públicos, cidadãos e cidadãs que acreditamos em um país mais justo, mais digno e, finalmente, livre.
* Auditor-Fiscal do Trabalho e filiado à Delegacia Sindical em Minas Gerais do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (DS-MG/SINAIT)
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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