09 de maio, de 2025 | 07:30

Infância sob os holofotes digitais: o dilema dos influenciadores-mirins e a responsabilidade coletiva

Aline Mara Gumz Eberspacher *

Nos últimos anos, os influenciadores-mirins consolidaram-se como uma presença marcante nas redes sociais, conquistando milhões de seguidores com conteúdos que atraem tanto crianças quanto adultos. Contudo, por trás da aparente leveza do entretenimento e da fofura dos vídeos, emergem questões complexas sobre os limites da exposição infantil e seus impactos no desenvolvimento emocional, social e psicológico.

Dados da Secretaria de Comunicação Social revelam que 93% dos brasileiros entre 9 e 17 anos acessam a internet, e três em cada quatro manifestam o desejo de produzir conteúdo on-line. Dentre os 25 milhões de crianças e adolescentes conectados, 83% possuem perfil em redes sociais, apesar das plataformas exigirem idade mínima de 13 anos. Este cenário expõe uma dupla negligência preocupante: de um lado, pais que, por vezes, ignoram os riscos ou vislumbram nos filhos uma fonte de renda; de outro, as big techs, que falham em aplicar regras de proteção eficazes, priorizando interesses comerciais em detrimento do bem-estar infantil.

As motivações parentais para essa exposição são variadas. Muitos veem nas redes uma oportunidade de ascensão social para os filhos, alguns lucrando diretamente com contratos publicitários, como no conhecido caso da atriz Larissa Manoela. Outros buscam realizar sonhos próprios por meio do sucesso dos filhos. A questão, porém, transcende as motivações familiares. Alguns influenciadores-mirins chegam a desdenhar da educação formal, alardeando ganhos superiores aos de profissionais qualificados ao venderem produtos e cursos on-line. Embora o trabalho infantil seja proibido no Brasil, a atuação desses jovens frequentemente se mascara como atividade lúdica, enquanto promovem marcas e geram audiências massivas que interessam às plataformas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante a liberdade de expressão artística, mas também assegura a proteção integral da infância. Se na televisão ou no teatro a atuação infantil demanda autorização judicial, no ambiente digital essa salvaguarda carece de aplicação efetiva. O Ministério Público do Trabalho (MPT) já alertou para a urgência de uma regulamentação específica para as redes sociais, reforçando que os direitos das crianças devem ser preservados tanto no mundo físico quanto no virtual.

Essa preocupação nacional ecoa em âmbito internacional. Em 2021, a ONU publicou um documento reafirmando que os direitos infantis se estendem ao ambiente digital, destacando a responsabilidade compartilhada da família, do Estado e da sociedade em garantir a integridade e o desenvolvimento saudável das crianças frente às novas tecnologias.
"Por trás da aparente leveza do entretenimento e da fofura dos vídeos, emergem questões complexas sobre os limites da exposição infantil"


Apesar da defesa de que ser influenciador-mirim é apenas diversão, relatos indicam rotinas extenuantes, metas de engajamento, cobranças por desempenho e compromissos com patrocinadores. Essa dinâmica impõe às crianças uma rotina laboral similar à de um adulto, muitas vezes sem o devido respaldo emocional ou legal.

É inegável o carisma desses jovens, que se destacam pela espontaneidade e capacidade de conexão. No entanto, é crucial refletir se essa exposição precoce é verdadeiramente benéfica. A infância é uma fase vital para formar identidade e habilidades sociais, e a superexposição online pode distorcer esse processo de maneiras ainda pouco compreendidas. A busca incessante por validação digital pode minar a autoestima e o bem-estar emocional.

Diante desse cenário complexo, é essencial que pais e responsáveis exerçam um papel ativo e consciente na mediação do uso das redes pelas crianças. Estabelecer limites claros, acompanhar o conteúdo consumido e produzido, e priorizar a saúde mental sobre ganhos financeiros ou fama são posturas indispensáveis.

Portanto, a proteção dos influenciadores-mirins exige uma ação coordenada e consciente. Pais precisam priorizar o desenvolvimento integral e a saúde mental de seus filhos acima da fama ou do lucro. A sociedade deve debater abertamente os limites éticos dessa exposição. E, crucialmente, as plataformas digitais não podem mais se omitir; precisam implementar políticas robustas e eficazes de moderação e proteção infantil. Promover um ambiente digital seguro e que respeite as fases da infância é um dever coletivo urgente, para que o futuro dessas crianças não seja negociado em troca de curtidas e visualizações.

* Doutora em Sociologia pela Université Paul Valéry, na França, e coordenadora de pós-graduação do Centro Universitário Internacional Uninter.

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