26 de janeiro, de 2025 | 08:50

Moradias em áreas seguras passam por planejamento, ordenamento e controle, diz geógrafo

Matheus Valadares
Por ser acidentado, o relevo do Vale do Aço ajuda a explicar a ocupação das áreas de risco, mas a maior explicação provém da pobreza, relata geógrafoPor ser acidentado, o relevo do Vale do Aço ajuda a explicar a ocupação das áreas de risco, mas a maior explicação provém da pobreza, relata geógrafo
Por Matheus Valadares - Repórter Diário do Aço
O Vale do Aço ainda tenta se reerguer e se reestruturar após os fortes temporais que atingiram os principais municípios da região a partir de dezembro passado. Pessoas que moram em encostas, áreas rebaixadas e ribeirinhas foram as principais vítimas da catástrofe climática, que além de prejuízos financeiros, deixou 11 mortos, sendo um em Santana do Paraíso e dez em Ipatinga. Todos ocorreram na madrugada do dia 12 de janeiro, data em que as duas cidades registraram mais de 200mm de chuva em algumas regiões.

Até a noite da última quarta-feira (22), segundo dados disponibilizados pela administração de Ipatinga, havia 157 desabrigados e 1.676 desalojados na cidade. Alguns perderam os imóveis por completo, outros tiveram que deixar os lares às pressas, por risco de novos desabamentos.

Em Santana do Paraíso, também conforme dados oficiais do governo local, os efeitos da chuva deixaram 120 pessoas desabrigadas e 324 desalojados. Em Coronel Fabriciano, fortemente atingida ainda em dezembro, foi identificado que 2.067 famílias foram atingidas, impactando 4.928 pessoas. Deste total, 868 ficaram desalojadas e 14 famílias desabrigadas.

Um estudo coordenado pela Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento, ligada à Casa Civil da Presidência da República, solicitado pelo governo federal em razão das obras previstas para o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê investimentos em infraestrutura em todo o país, mostram que 12.545 habitantes de Ipatinga vivem em área propícia a deslizamentos, inundações e enxurradas.

William Passos, geógrafo e coordenador de Estatística e de Pesquisa do Observatório das Metropolizações Vale do Aço, vinculado ao campus Ipatinga do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), explica que a mudança deste cenário deve passar por planejamento, ordenamento e controle.

Diário do Aço
William Passos falou sobre problemas habitacionais na região e apontou rotas para resoluçõesWilliam Passos falou sobre problemas habitacionais na região e apontou rotas para resoluções

“Para minimizar o número de pessoas em áreas de risco, os municípios devem implementar um planejamento urbano com um efetivo controle do uso e ocupação do solo. Isso passa por regularização fundiária e controle de novos loteamentos e construções. Entretanto, as áreas de risco devem ser mapeadas e a ocupação e construção imobiliária nessas áreas devem ser duramente proibidas. De maneira complementar, há a necessidade de um intenso trabalho de conscientização da população para que se evite a ocupação das áreas de risco”, afirma.

Dificuldade financeira
William frisa que parte das ocupações em áreas com maior risco, em geral encostas e terrenos mais rebaixados, é explicada pelas dificuldades financeiras do acesso à moradia. “A questão da ocupação das áreas de risco também é uma questão habitacional. Por isso, os municípios, em parceria com o governo do Estado e o governo federal, devem oferecer programas de moradias populares”, pontua.

Quanto a isso, o governo federal planeja a entrega de dois conjuntos habitacionais em Ipatinga no segundo semestre de 2025, sendo o Bom Jardim III e Planalto A. A iniciativa pode atender as vítimas desabrigadas em virtude dos efeitos climáticos.

Planejamento
Ainda sobre o preparo para o período chuvoso, o trabalho de contenção e mitigação dos danos, o geógrafo garante que as cidades e os estados podem se preparar melhor para a época com planejamento e investimento.

“Já existe tecnologia e recursos humanos disponíveis para o monitoramento meteorológico e as devidas intervenções antes, durante e depois das chuvas, mas falta opção política. Lamentavelmente, o debate público é raso e falta um corpo de servidores públicos qualificado, com planos de carreira atrativos, dedicados a este tipo de solução. Também é importante destacar que os problemas estão interligados. Renda familiar, acesso à moradia, transporte, trabalho, oportunidades educacionais, redes de apoio e estrutura familiar formam um conjunto que explica a opção pela localização das moradias pelas pessoas. Essas questões não podem ser tratadas isoladamente, mas infelizmente quase sempre são. Isso explica porque os problemas do país acabam não sendo resolvidos. A saída passa sempre por uma abordagem multidisciplinar, com profissionais de diferentes áreas trabalhando juntos”, disserta.

Geologia e ocupação desorganizada
A questão geográfica das cidades mineiras propicia moradias em áreas vulneráveis, no entanto, a ocupação desorganizada potencializa os riscos.

“Por ser acidentado, o relevo do Vale do Aço ajuda a explicar a ocupação das áreas de risco, mas a maior explicação provém da pobreza, da baixa renda e da falta de acesso a melhores oportunidades de trabalho e moradia”, salienta William.

Nem mesmo Ipatinga que, historicamente, foi projetada e estruturada em torno do planejamento urbano da Usiminas, escapou da desorganização urbana com o passar do tempo.

“Este planejamento foi ficando cada vez mais restrito aos bairros operários de trabalhadores da indústria. Não à toa, até hoje são os melhores bairros para residência na região. De certa forma, a ocupação de áreas expostas ao risco no Vale do Aço está associada ao empobrecimento progressivo da região. Com o passar do tempo, a renda média da população foi caindo e, com isso, a segurança dos locais de moradia. A ocupação urbana foi invadindo as franjas das quatro cidades do Vale do Aço e subindo na direção dos morros”, explana o geógrafo.

População no debate
Por fim, William defende que a participação popular nos debates, seja por meio de audiências públicas, reuniões outras formas, é fundamental para a conscientização das pessoas sobre a inviabilidade da ocupação de áreas cujo encharcamento do terreno por motivo de chuva pode provocar danos materiais, desabamentos e desmoronamentos e, em casos extremos, perdas de vidas.

“No caso das moradias, há uma questão mais técnica do que democrática: moradias não devem ser construídas em locais de risco e parte dessa responsabilidade deve ser distribuída entre o Poder Público e a população”, finaliza.

Já publicado:
- Desobediência à ordem de interdição em área de risco gera multa e processo judicial no Bethânia
- Ipatinga tem 610 imóveis interditados em áreas de risco
- Município de Ipatinga afirma que não recebeu alerta antecipado sobre riscos de deslizamentos e enxurradas no dia 12/1
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Gildázio Garcia Vitor

26 de janeiro, 2025 | 10:01

“"Brasil: poucos com muito e muitos com pouco". Nos casos da casa própria e da propriedade rural é sem nada* mesmo.

* Alimentos, higiene, Educação, saúde, assistência médico-hospitalar, mobilidade, lazer etc., etc., etc.”

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