19 de novembro, de 2024 | 07:00
PEC da Segurança ameaça a autonomia dos estados
Ailton Cirilo *
Um dos temas de maior polêmica atualmente, a proposta de emenda à Constituição sobre a Segurança Pública tem gerado embate entre governadores e o governo federal. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, por exemplo, considera a PEC uma inversão inaceitável já que sugere a sobreposição de regras federais sobre as estaduais. A crítica principal reside no risco em engessar as práticas de segurança pública em um país extremamente extenso e culturalmente diverso como o nosso.A própria Constituição de 1988 define as funções das forças de segurança com muita clareza. Cabe à Polícia Federal o controle de fronteiras, portos e aeroportos buscando o combate à criminalidade organizada seja em dimensões nacionais ou transnacionais, como o tráfico de drogas. Ampliar ou centralizar atribuições pode, assim, prejudicar o equilíbrio já estabelecido e afastar a PF de suas competências mais críticas.
Já o policiamento ostensivo e a atuação preventiva são tarefas que devem continuar sob a responsabilidade das polícias estaduais, pois elas têm maior conhecimento e proximidade com as necessidades locais. Ao separar as funções, evita-se as sobrecargas institucionais, garantindo uma atuação mais eficaz. Outro fator relevante é a gigantesca diversidade cultural e operacional do Brasil. Criar protocolos únicos para a segurança pública são quase impossíveis de aplicar de maneira uniforme em função da variedade de realidades locais e regionais.
Ou seja, o que funciona em Minas Gerais pode não ser viável no Rio Grande do Norte, por exemplo, devido às questões socioeconômicas, geográficas e culturais. O próprio idioma possui diferenças consideráveis em cada canto do país. Assim, quaisquer tentativas de padronizações excessivas podem acarretar em resultados contraproducentes, dificultando a resposta às demandas específicas de cada local.
Investir em tecnologia e inteligência é a maneira mais eficaz para lidar com a complexidade da segurança pública sem, contudo, comprometer a autonomia dos estados. Precisamos bater na tecla da importância de sistemas integrados de informações, ferramentas de análise de dados e tecnologias avançadas de monitoramento, permitindo um combate efetivo ao crime organizado e ao tráfico de drogas. Isso será possível com a colaboração estratégica, respeitando as atribuições de cada ente federativo ao invés de centralizar decisões.
Além disso, as Guardas Municipais precisam continuar focadas na proteção das áreas urbanas e na preservação do patrimônio público, sem se sobrecarregarem com demandas que extrapolam as funções de origem. A PEC deve reconhecer que cada instituição possui um papel específico dentro do sistema de segurança e qualquer ampliação de funções precisa ser, cuidadosamente, analisada à luz do artigo 144 da CF. Isto é, quando cada órgão se dedica ao arroz com feijão” bem feito de suas atribuições, temos um resultado mais eficaz do que uma tentativa de avançar sobre competências alheias.
O fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) pode ser um avanço, desde que respeite todos os limites constitucionais e que seja implementado com diálogo e cooperação entre União, estados e municípios. O debate em torno da PEC deve priorizar o respeito às competências estabelecidas, o fortalecimento de cada instituição em suas atribuições e o investimento contínuo em inteligência, para que possamos construir um sistema de segurança robusto e eficaz para todos os brasileiros.
* Coronel da PM, especialista em Segurança Pública
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
              Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]
            
          



        












