12 de outubro, de 2024 | 11:00

Ser criança

Luiz Carlos Amorim *

Neste sábado é celebrado mais um dia da criança e nesta época deliciosa é impossível não lembrar da minha infância. Sou de Corupá, terra de dezenas de cachoeiras, pequena cidade aos pés da Serra do Mar, perto de Joinville (SC). Vivi toda a minha infância lá, com exceção de um ano, quando fui estudar em Mafra, mais ao norte de Santa Catarina, em meados dos anos sessenta.

Não lembro de praticamente nada de antes dos seis, véspera de minha ida para a escola, pois aquela nova aventura era uma incógnita e eu não sabia como seriam as coisas lá. Mas vi que não era o fim do mundo, gostei da escola, fiz amigos e até tirava boas notas. Dentre os amigos que fiz, havia um, Eddy, que eu gostava de visitar, pois a família dele fazia passas de carambolas e como tanto eu como ele gostávamos das revistinhas Disney – Pato Donald, Mickey, Zé Carioca, Tio Patinhas, sentávamos debaixo dos tabuleiros onde as frutas secavam para ler e comer as passas. Por um bom tempo eu pegava a bicicleta de minha mãe, mesmo que não conseguisse pedalar direito, pois ainda era pequeno, e ia para a casa daquele amigo para ler gibis e comer carambolas secas.

Por falar na bicicleta, minha mãe fazia biscoitos de araruta com coco e eu levava a massa para assar na padaria, de bicicleta. Eu já era um pouquinho maior, conseguia pedalar, ainda que precisasse ficar de pé. E foi numa dessas viagens à padaria que escorreguei e fiquei preso na corrente da bicicleta, ficando sem a pele de uma boa parte de cima do pé esquerdo. Ainda tenho a marca. Foi um dos muitos sustos que dei em minha mãe, ao chegar em casa com o pé ensanguentado.

Além dos gibis, quando não tínhamos dever de casa para fazer e eu não tinha que cuidar de meus irmãos – minha mãe também trabalhava, por isso tinha que ajudar – gostava de ouvir fábulas no rádio. Havia um horário, à tarde, em que uma emissora tocava contos infantis e aquilo era uma coisa mágica, encantada, só suplantado por uma tia contadora de histórias, que infelizmente nos visitava muito pouco, apenas em datas especiais.

Havia algumas árvores frutíferas em nossa casa, como laranjeiras, limeiras, abacateiros, goiabeiras, ameixeiras e outras que não lembro. O que lembro é que em “tardes fagueiras” eu subia num abacateiro amigo, sentava num galho e cantava até quase estourar, por pura felicidade de ser criança. Uma das canções, que ainda sei de cor, era “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu.
“Brincávamos de coisas que hoje algumas crianças nem ouviram falar, como bolinha de gude, peteca, bilboquê”


Mas não era só isso. Naquele tempo não havia televisão, videogames, computadores, apenas o rádio e o cinema, de vez em quando. Um domingo ou outro a gente ia à matinê, assistir a um filme de “caubói”. E isso dava margens a novas brincadeiras, como as de “faroeste”, imitando os filmes que víamos.

Foi uma infância feliz, abençoada infância. Brincávamos de coisas que hoje algumas crianças nem ouviram falar, como bolinha de gude, peteca, bilboquê, etc. E já que mencionei este último brinquedo, na última viagem ao Rio Grande, recentemente, tive uma autêntica volta à infância. Eis que, senão quando, ao passear na pracinha de Nova Petrópolis, perto do labirinto verde, encontrei bilboquês de madeira, numa lojinha de um quiosque. Comprei um, afinal ele é quase o botão de ligar o túnel do tempo, embora hoje meus braços não ajudem muito e eu possa brincar pouco tempo. Mas ainda acerto.

Aprendi a nadar muito cedo, pois sempre havia um rio por perto – eu disse que minha cidade é a Cidade das Cachoeiras? Gostava de pescar e aprendi até a pegar peixe na toca, com as mãos. Só não aprendi a pescar de tarrafa. Mas isso fica para uma outra infância.

Até os dez ou onze anos, morei num lado da cidade, perto de um rio. Depois mudamos para o centro, perto de outro rio de um lado e perto da estrada de ferro do outro. Isto significa que parte da minha infância e quase toda a adolescência eu passei às margens dos trilhos do trem, que naquele tempo ainda tinha passageiros. Viajávamos para Joinville, São Francisco, Mafra, Jaraguá do Sul, Curitiba, de trem.

Andávamos a pé pelos trilhos, para cortar caminho para ir à escola, por exemplo. E para ir até a ponte que ficava mais adiante, do lado oposto da cidade, para mergulhar no rio lá de cima. Coisa que minha mãe não sabia, é claro.

Como já mencionei, eu tirava boas notas. E foi na escola, nos tempos de ginásio (a segunda parte do primeiro grau de hoje), que fui descobrir que gostava de escrever. O colégio onde estudava participou de um concurso de redações sobre as afinidades Brasil/Portugal e eu tirei o primeiro lugar da cidade, com recebimento de troféu em solenidade no cinema e tudo. Poucos anos depois, já adolescente, ganhei outro concurso de contos da revista Rainha, que assinávamos, com prêmio em dinheiro, inclusive. Foi um grande incentivo. Minha infância não teve grandes aventuras, mas foi feliz. Fui criança, e é o quanto basta.

* Escritor, editor e revisor, cadeira 19 na Academia SulBrasileira de Letras, Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, com 44 anos de trajetória. luizcarlosamorim.blogspot.com.br.

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Comentários

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Tião Aranha

13 de outubro, 2024 | 11:16

“O texto do nobre escritor nos leva pra uma nova e profunda reflexão tendo como pano de fundo o seu Estado que hoje é referência na Educação infantil do Brasil. Essa é a parte mais interessante, que deve ser colheita de raridade do estupendo trabalho de imigrantes italianos, portugueses, e alemães, principalmente. Partidário ou não do existencialismo, certa vez o escritor português Eca de Queiroz, disse que o ser humano deve sempre se vangloriar da sua própria existência. Tem sentido. Hoje apesar de ter mudado os valores, ambientes e comportamentos, através do ciberespaço, indiferente de posição social, raça ou cor, cada criança terá a oportunidade de crescer espiritualmente ou evoluir. Para isso só basta preparar a terra, lançar a semente. Que o resto Deus ajuda! Rs.”

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