10 de outubro, de 2024 | 09:00
Quem tem medo da inteligência artificial?
Paulo da Silva Quadros *
Muito tem-se falado ultimamente em relação ao rápido desenvolvimento da inteligência artificial generativa, contendo diversas reflexões auspiciosas, ao mesmo tempo em que se nutre também um certo pânico moral demasiado. Compreensivo até certo ponto, mas por vezes dotado de incongruências inoportunas para a compreensão dos desafios futuros diante de uma sociedade acalentada por rápidas transformações tecnológicas.Riscos, recomendações, regulação, transparência, explicabilidade, vieses, racismo algorítmico, direitos humanos, questões trabalhistas, direitos autorais, segurança de dados, autonomia algorítmica versus intervenção humana, entre outros aspectos, compõem um vasto arcabouço de inquietações sensíveis e sensatas, frente aos abusos que podem advir do mau uso desastroso de tais ferramentas tecnológicas disruptivas.
Notadamente, sempre que surge um novo advento tecnológico, tais preocupações tornam-se fortemente aguçadas em uma sociedade democrática. O que é natural, quando se defende a ótica permanente do pensamento crítico e dialético. Uma vez que não podemos compactuar erroneamente com a noção ingênua de um neopositivismo tecnológico, redencionista e salvacionista, já que as contradições humanas permeiam todo o processo de desenvolvimento cultural de uma sociedade.
Nesse tocante, a ideia de substituição de humanos por máquinas e da possível superação de máquinas em relação a humanos povoa o imaginário cultural distópico há tempos, rico em referências literárias e cinematográficas do mundo contemporâneo.
No entanto, partindo-se do pressuposto da capacidade do ser humano oportunamente enfrentar novos desafios instigantes, propondo estratégias de resiliência e reinvenção do seu cotidiano, convém se pensar na inteligência artificial generativa mais como um recurso tecnológico que pode vir a agregar maior valor ao potencial criativo humano, enquanto uma ferramenta aliada, com possibilidades inimagináveis de colaboração, cooperação, copartícipe e cocriadora de novos inventos humanos.
A inteligência artificial em seu atual estágio de desenvolvimento demanda com urgência o nosso repensar original da tecnologia”
Em vista da preocupação com os riscos eminentes do emprego nocivo e irresponsável da inteligência artificial, começa a haver preocupação com um novo profissional demandado para definir regras e procedimentos de responsabilidade ética de tal tecnologia, o que implica em conhecimento técnico aliado a um entendimento robusto das implicações e consequências sociais, morais e legais que advém do mal emprego da IA.
Trata-se da figura do eticista em IA, cujo papel deverá ser alinhar substancialmente o design de sistemas de IA com valores morais e sociais de forma a assegurar o respeito a códigos de conduta social em consonância com a preservação de direitos humanos. Talvez com o tempo, dada a complexidade de aplicações de IA em amplo desenvolvimento, este profissional passe a se diversificar em sua formação profissional para atender a campos mais específicos de demandas crescentes na sociedade.
Por isso vale se pensar prioristicamente em um profissional emergente no campo educacional: o educador eticista ou eticista educacional, que considere a ética como um pressuposto fundamental para o entendimento de quaisquer riscos ou desafios a se enfrentar no campo de formação educacional, pensando a ética como uma dimensão holística e transdisciplinar, perfazendo todos os conhecimentos e valores que dimensionem a estrutura curricular como um todo.
A inteligência artificial em seu atual estágio de desenvolvimento demanda com urgência o nosso repensar original da tecnologia para abarcar o humano em suas múltiplas dimensões idiossincráticas.
A inteligência artificial precisará se tornar educacionalmente cada vez mais ética, ao se conceber a ética como um ponto de partida crucial para todas as indagações frente aos conhecimentos produzidos e ministrados no contexto escolar: um alicerce equalizador e substancial nos novos tipos de relações com o conhecimento ética coexistencial, ecológica e planetária ao mesmo tempo. O que torna o professor um capital precioso de provocações, indagações, contextualizações e interpretações simbólicas engenhosas e insubstituíveis.
* Pesquisador da Cátedra Oscar Salla do Instituto de Estudos Avançados da USP / Artigo publicado na íntegra no Jornal da USP.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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