05 de setembro, de 2024 | 07:00
Em praça pública
Ana Rosa Vidigal *
Gosto de praças, gosto sobretudo de praças circulares. Parece que a geometria não seria por acaso. São os círculos, ciclos, circunferências onde encontramos o início, o meio e o fim das coisas. Da partida e da chegada, percepções tão necessárias à vida humana. Lugar de encontros, de recomeços, vivências que nos enlaçam, envolvem e passam a fazer parte de nós.Praças invocam compartilhamentos de ser e estar no mundo. De presença. De diversidade. De convergência. Da praça pública, ainda que redundante, vem a ideia que ressalta a condição: praça é lugar de exposição, e, como tal, espaço que nasce do propósito de abertura, de inclusão, de ir e vir, de ficar ou de partir, ou só de passagem. De existir simplesmente.
Havia uma praça assim onde eu morava há alguns anos. E com uma fonte esplendorosa no meio, que era ligada toda manhã. Da minha janela a via plena, com seus jardins, suas árvores e seus passeios largos, circundando todo o diâmetro. O trânsito de veículos em fluxo intenso, pessoas cruzando o espaço, passagem movente e pulsante em confluência de avenidas importantes daquela região. Um leito de um rio caudaloso, onde desaguavam vias com nome de pessoas ilustres.
Naqueles dias de onda roxa de pandemia, em Belo Horizonte, essa praça esteve fechada, lacrada, murada, embarricada em si mesma. Uma cerca metálica a envolvia naquela época. Isolada a praça. E por muito tempo assim esteve, símbolo de um confinamento social que se estendeu até o espaço privado de cada um.
De lá, de meu próprio espaço isolado, no alto de um prédio, vi um dia daqueles, um pôr do sol sem igual, cor-de-rosa, dourado intenso, que se alterava para laranja e tons ainda sem nome. Talvez tons sobre a praça que alcançam outros tons. De esperança, de fé, de vida que seguia. A isso, juntaram as lembranças das praças onde brincava quando eu era criança. E das novas praças que conhecia toda vez que viajava para uma nova cidade.
Praças invocam compartilhamentos de ser e estar no mundo”
Praças me encantam. Talvez porque me mostram exatamente este dom particular, por sua própria existência de ser praça: dizer da lembrança do encontro, da convergência, da contemplação, da parada. Aquela parada que, indubitavelmente, dá sentido à caminhada, disse a escritora e jornalista Leila Ferreira, em uma conversa na ocasião, gravada no Episódio 28, Aprendendo com o vazio”, do podcast 👉Conversa Paralela Comigo, que vale a pena ouvir de novo.
Passada a pandemia, no entanto, não houve evidente retomada às praças. Parece até que se tornam cada vez mais invisíveis, e cada vez mais raras nas cidades. E cada vez menos cuidadas, adotadas”. Nem vistas e nem mantidas como ilhas de parada, guardiãs do ócio, da contemplação, da meditação.
Do espaço, no dia, onde a mente se esvazia; onde se vê amplo, mais longe, mais horizonte. Seja pela falta de segurança, seja pelo ritmo exacerbado do trabalho, seja pela perda de hábito, que se perdeu na travessia, estamos abandonando as praças de forma escancarada, deixando de lado a praça em praça pública.
Mas praça é morada de vida que respira, segue firme, resiste e flutua sobre o asfalto, paira entre edifícios e sacia a sede de inspiração daqueles que levitam sobre a rotina de travessias sem rumo, onde não se inquieta por não se saber aonde vai. Praça é oásis que acolhe o respiro. Em consonância com a nossa essência humana partilhada que vaga pelas esquinas e perambula por aí. Eis aqui a praça, em praça pública, devendo, em nome de tantas coisas, subsistir.
* Professora, jornalista, psicopedagoga e consultora pedagógica. Doutora em Língua Portuguesa pela PUC Minas e Université Grenoble III, França. Atua na formação de professores, gestores, famílias, líderes e equipes, ministrando oficinas, cursos e palestras nos domínios da Educação na contemporaneidade, da Comunicação como encontro, Da Comunicação Não Violenta e do Socioemocional, suas interfaces nas relações humanas e na construção do vínculo. Publica às quintas-feiras, na Editoria Opinião do Jornal Diário do Aço, temáticas relacionadas ao desenvolvimento humano na vida cotidiana. Instagram:@saberescirculares, email: [email protected].
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Ana Rosa Vidigal
05 de setembro, 2024 | 19:52Angela
Hoje li algo interessante sobre praças: lugar de resgatar a comunidade para todas as idades. E como precisamos todos disso. No Colégio onde trabalho, soube que faremos um encontro em uma praça próxima em breve. As iniciativas precisam acontecer, sobrerudo por meio da escola. Isso aprendi com você. Gratidão, gratidão.”
Ana Rosa Vidigal
05 de setembro, 2024 | 19:47O 'vislumbre da paz' e o 'encontro da pessoa consigo mesma'; gostei muito, Tião Aranha. Gratidão pela interlocução.”
Angela Passos
05 de setembro, 2024 | 14:02As praças sao necessárias em uma comunidade que preserva o bem estar das pessoas. Muitos bairros em BH são planejados sem espaços para as praças, para darem lugar a prédios e mais prédios. Deixamos de "respirar" a alegria do conviver.”
Tião Aranha
05 de setembro, 2024 | 13:58Bom texto, cada poeta procura morar num lugar de verdade e viver uma vida de verdade. Eu tb sou chegado numa praça pública. Tenho (quando posso divertir) meu outro espaço ecológico, onde extrapolo todas as minhas divagações; sempre devagar, devagarinho, me conectando com o meu ego que é grande. A praça, como ambiente público, hoje em dia está sendo usada pra outras finalidades que não seja o vislumbre da paz - e o - encontro da pessoa consigo mesma. (Mal dos tempos). Mas vamos trabalhar no singular! Na escola, a pessoa recebe a lição para fazer a prova. Na vida, faz a prova pra só depois receber a lição. Rs.”