30 de agosto, de 2024 | 11:00
O Congresso Nacional pode ser órgão revisor do Supremo Tribunal Federal?
Marcelo Aith *
Tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que possibilita ao Congresso Nacional atuar como órgão revisor das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Referida proposta busca acrescentar o seguinte inciso ao artigo 49 da Carta Magna: XIX deliberar, por três quintos dos membros de cada Casa legislativa, em dois turnos, sobre projeto de Decreto Legislativo do Congresso Nacional, apresentado por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que proponha sustar decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado, e que extrapole os limites constitucionais.”Não há dúvida que se trata de uma proposta materialmente inconstitucional, que fere, frontalmente, os artigos 2º e o parágrafo 4º, inciso III, do artigo 60, ambos da Constituição Federal.
O artigo 2º estabelece que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E o parágrafo 4º, inciso III, do artigo 60, por sua vez, preconiza que Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: ( ) III - a separação dos Poderes”.
A proposta impõe exatamente a quebra da independência entre os Poderes, rompendo com a cláusula da separação dos poderes da República, na medida em que permite que o Congresso Nacional (Poder Legislativo Federal), suste decisões do Supremo Tribunal Federal (órgão máximo do Poder Judiciário), quando entender que houve extrapolação dos limites constitucionais.
A separação dos poderes é essencial para a manutenção da democracia e da justiça, e garante a liberdade e os direitos dos cidadãos. No Brasil, a separação dos poderes continua a ser um princípio fundamental da organização do Estado.
A doutrina da separação dos poderes encontrará em John Locke e Montesquieu seus grandes sistematizadores; o inglês, pioneiro, por meio do Segundo tratado sobre o governo civil e o francês no célebre Do Espírito das Leis”.
A ideia como adotada pelas constituições modernas decorrem do pensamento de Montesquieu, filósofo e político francês do século XVIII, que teve uma influência significativa no desenvolvimento do pensamento político moderno, que propunha a divisão do poder em três grandes funções: legislativa, executiva e judiciária.
Os poderes devem funcionar de forma autônoma, sem interferência de um poder em relação as atribuições do outro”
O Poder Legislativo, em síntese, é responsável pela criação e modificação das leis, que vão regular a vida em sociedade. Já Poder Executivo, resumidamente, tem por função executar as leis e administrar o Estado. Por fim, o Poder Judiciário tem por principal função interpretar as leis ao caso concreto, buscando a pacificação dos conflitos sociais.
A Constituição de 1988 estabelece a sujeição ao princípio da separação dos poderes, reafirmando a necessidade da independência e harmonia entre ele.
Por independente, entende-se que os poderes devem funcionar de forma autônoma, sem interferência de um poder em relação as atribuições do outro.
A independência entre os poderes não é absoluta, encontrando limites pelo sistema de freios e contrapesos, o qual possibilita a interferência legítima de um Poder sobre o outro, nos limites estabelecidos constitucionalmente. Dessa forma, extrai-se do texto constitucional que o Poder Executivo tem o poder de veto sobre leis propostas pelo Legislativo, por entendê-la, por exemplo, inconstitucional. O Legislativo pode limitar o Executivo, por exemplo, ao aprovar ou rejeitar nomeações feitas pelo presidente para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, bem como tem o poder de impeachment. O Judiciário, por sua vez, pode declarar leis ou atos do Executivo como inconstitucionais, limitando assim os outros dois poderes.
No entanto, sob pena de ferir a independência entre os poderes, o Poder Legislativo não pode se imiscuir na função judicante para sustar decisões do Supremo Tribunal Federal. Seja a que pretexto for. Essa invasão na esfera de atuação de um poder é vedada pela Constituição, inclusive através das emendas constitucionais tendentes a abolir a independência entre os poderes.
Ademais, outra iniquidade da PEC consiste na permissão conferida ao Congresso Nacional de estabelecer o que seria uma decisão do STF que extrapole os limites constitucionais”. Qual o parâmetro que seria utilizado? Não há dúvida que se trataria de uma arma perigo nas mãos de um órgão político (Poder Legislativo), que poderia impor a sua vontade e ideologias ao arrepio da própria constituição, uma vez que teria a última palavra em toda matéria constitucional.
Dessa forma, a PEC que permite ao Congresso Nacional agir como órgão revisor do STF é absolutamente inconstitucional, por flagrante afronta a independência entre os poderes da República e deveria ser arquivada já na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Mas uma CCJ ideologicamente cooptada jamais irá reconhecer isso, infelizmente.
* Advogado criminalista. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca.
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