22 de agosto, de 2024 | 07:00

Tudo igual

Ana Rosa Vidigal *

Tanta diversidade para ‘funcionarmos’ de forma tão parecida”, pensei.

Hoje é domingo, mas não “pede cachimbo”, pede é prova mesmo. Estou aqui em casa produzindo avaliações para minhas turmas do 6º ao 9º ano e também do Ensino Médio, da 1ª à 3ª séries. Coisas de professora – passar o fim de semana atuando; e não tem escapatória. Faz parte. De repente, escuto, da rua, uma buzina estridente. Na sequência, como uma ‘resposta’, outra buzinada daquelas.

Que engraçado, gente, ainda que sejamos tão únicos em toda a nossa storytelling vida afora, somos tão iguais, tão semelhantes e tão previsíveis em tantas coisas nessa nossa humanidade, por vezes, tão limitante.

Quantas vezes tratamos de diversidade e de equidade, de pluralidade, se, em inúmeras situações cotidianas, nos esbarramos entre nós mesmos com os mesmos ‘defeitos’, as mesmas reações, conduções, emoções e ‘contusões’ – igualdades em dores e amores na paisagem da vida de todo dia.

No exemplo de agorinha, uma buzinada, com o intento de registrar seu desafeto no trânsito; o outro responde, assinalando também sua insatisfação, rechaçando a possível reprimenda e não deixando de revidar a ‘ofensa’. Sim, somos muito reativos, e isso assusta às vezes.

Sobretudo em contextos de transformação social, quando se ocupa da nobre tarefa de produzir intencionalidades educativas, de averiguação de aprendizagem, comumente denominadas ‘provas’ escolares, entre outras tarefas de formação humana. Professora se ‘pré-ocupa’ com isso mesmo: as vicissitudes do ser humano e como e em que medida é possível dar um ‘empurrãozinho’ para a gente seguir adiante na evolução pessoal e social desta tal humanidade que nos une.

Concordo com Kaká Werá Jecupé, escritor e conferencista indígena brasileiro, no livro “Terra dos Mil Povos”, que tenho autografado por ele e de que eu gosto tanto, na ideia cunhada na belíssima frase: “a diversidade é que garante a vida”. Sim, é preciso existir árvores diferentes para se ter espaço para todas, haver parcerias entre elas, subsistência do ecossistema, inclusive com a variedade de flora e de fauna em coexistência. Sim, é preciso haver diferenças que, inevitavelmente, vão gerar contrastes, e a partir dos quais, se formos sábios, vamos construir complementaridades e aproveitar essa riqueza.

Ainda que bem diferentes, sabemos também o quanto nos parecemos na raça humana. Não à toa as teorias psicológicas estão aí para apoiar os que mapeiam as semelhanças nos sujeitos e seus traços de responsividade, que seguem uma mesma toada, para proveito comercial, como o do marketing e de outras iniciativas do capital.

Nesse cenário, surgem alguns aspectos relevantes que podem ser alvo de aprimoramento do nosso ser e estar no mundo, e que, de uma forma evidente, como a troca de buzinas na esquina em um domingo, mostram nossas fragilidades mais fundamentais.

Quando penso no processo da comunicação, que é de meu interesse pessoal e profissional, lembro sempre do compilado intitulado “Os Quatro Compromissos – o livro da filosofia tolteca”, por Don Miguel Ruiz, que guardo a sete chaves. Também na perspectiva de povos originários, o livro aborda quatro atitudes pertinentes a uma forma mais fluida de interagir com os outros, no quesito da gestão da palavra na expressão verbal, e que já mencionei aqui em outra oportunidade.

Nunca é demais (ou tarde) para reviver esses entendimentos tratados no livro. Por isso, vamos lá, na ordem em que são apresentados: “seja impecável com sua palavra; não leve nada para o lado pessoal; não tire conclusões; sempre dê o melhor de si”. Considerando o campo da comunicação, e da comunicação como encontro, que é meu grande lema, em se tratando de desafios e benesses da vida humana, em sua essência mais primitiva, que é a de exercer o dom da linguagem entre seres humanos, esse é o caminho.

Simples, não? De fácil compreensão, porque comum a todos nós: nesse ponto, falamos ‘a mesma língua’, seja na cultura tolteca ou além. E não podemos nos esquecer disto: embora muito peculiares em nossas trajetórias, estamos caminhando de mãos dadas, ou atadas – em caso de resistência. Mas nunca sós.

Por isso, em honra ao fio da vida que nos constitui e que vem da mesma fonte, saibamos nos aproximar do outro em sua essência ‘semelhante-diferente’ e reverenciar a boa sociabilidade que urge. Afinal, não vivemos uns sem os outros e, se é assim, certamente temos muito em comum. A começar pelo fundamento da nossa existência, que é propriamente viver. O que torna, no fim das contas, tudo igual.

* Professora, psicopedagoga, jornalista e consultora pedagógica. Doutora em Língua Portuguesa pela PUC Minas e Université Grenoble III, França. Atua na formação de professores, gestores, famílias, líderes e equipes, ministrando oficinas, cursos e palestras nos domínios da Educação contemporânea, da Comunicação como encontro, da Comunicação Não Violenta e do Socioemocional, suas interfaces nas relações humanas e na construção do vínculo. Publica às quintas-feiras, na Editoria Opinião do Jornal Diário do Aço, temáticas relacionadas ao desenvolvimento humano na vida cotidiana. Instagram:
@saberescirculares, e-mail: [email protected].

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Comentários

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Tião Aranha

22 de agosto, 2024 | 14:52

“Bom texto, o Sistema não deixa fazer um jornalismo investigativo. Estamos, todos, sem exceção, presos pela língua. Culpa do povo que não elege representantes dignos de responsabilidade e de confiabilidade de toda a Humanidade. Sempre fomos assim nessa 'igualdade' cf o texto da nobre articulista. Tudo que é fato, é História. O povo vive de pão e circo. Pior é quando tem que prometer e garantir o circo pra ganhar o pão. Se assim o fizer, se assim agir terá pão com sobra na mesa. Saudades do Silvio Santos. Foi um grande comunicador. Rs.”

Daisy Cristiane

22 de agosto, 2024 | 14:29

“Excelente artigo, reflexões e indicações, Ana Rosa.
Conhecer "Os Quatro Compromissos - o livro da filosofia tolteca?, permitiu mais leveza e fluidez em minhas relações, desde acontecimentos do cotidiano como os mais complexos. Me norteou na prática de trocas mais equilibradas, coerentes e assim mais saudáveis.
Se nosso estar no mundo acontece nas relações, nada melhor que cuidar delas e consequentemente de nós mesmos.”

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