14 de agosto, de 2024 | 11:00
Edital de Saneamento de Ipatinga: desfazendo equívocos
Antônio Nahas Júnior *
A Prefeitura de Ipatinga publicou, neste mês de agosto, um edital para concessão dos serviços de água e esgoto, atualmente prestados pela Copasa, cujo prazo contratual já se encerrou. Pela legislação atual, ao término da concessão, todos os bens envolvidos na prestação dos serviços retornam ao município, pois já foram pagos por nós. Assim, as estações de tratamento de água e esgoto, as elevatórias, as redes de distribuição de água e captação de esgoto, tudo isso passa a ser propriedade da cidade.Feita a nova licitação, os bens serão cedidos ao novo concessionário. Por isso, ele terá que investir muito pouco, pois já assumirá um serviço estruturado, funcionando, com o dinheiro entrando, sem concorrência e por um prazo de trinta anos.
A licitação servirá para escolher quem terá esse direito. Após a publicação do edital, setores da imprensa divulgaram que haveria leilão para contratação desses serviços, talvez baseando-se na experiência de Governador Valadares, onde o leilão dos serviços de saneamento foi um sucesso. Em Ipatinga, não haverá leilão, mas uma licitação do tipo Técnica e Preço. O julgamento da proposta envolverá a análise da técnica de saneamento do licitante, que valerá sessenta por cento dos pontos. Quem decidirá a nota do licitante será a comissão de licitação, analisando critérios estabelecidos no edital. Quanto maior a nota, mais pontos terá o licitante.
O edital levará em conta também o desconto que será dado sobre a tarifa atualmente praticada pela Copasa. Quem oferecer o maior desconto ficará com quarenta por cento dos pontos, e a pontuação diminuirá se o preço do licitante for superior ao dos outros. Vencerá a proposta que obtiver a maior nota, somando-se técnica e preço. Em resumo: a comissão levará em conta, sobretudo, aspectos técnicos, deixando o preço em segundo plano, procedimento muito pouco utilizado em licitações para concessões de serviços. É importante ressaltar: o maior desconto na tarifa não garante a vitória do licitante, o que realmente conta é a técnica.
Outra informação divulgada foi relativa ao pagamento da outorga da concessão, que pode ser definida como o valor que o concessionário pagaria para ter direito à concessão. Afinal, é um serviço municipal que está sendo repassado a terceiros para exploração, e é justo que a cidade receba alguma compensação. Setores da imprensa publicaram que o valor mínimo a ser pago seria de R$ 58,6 milhões. Mas não é assim; este valor é fixo e não será colocado em leilão. Trata-se de uma obrigação contratual da futura concessionária.
E, convenhamos, não é nada caro. O valor total do edital é de R$ 4,1 bilhões, e o lucro que poderá ser obtido pela futura concessionária ao longo de 30 anos chegará perto de R$ 700 milhões. Em outras cidades, inclusive, adotou-se o procedimento de vincular a licitação ao preço ofertado pela outorga, como em Governador Valadares, onde foi realizado um leilão na Bolsa de Valores de São Paulo que arrecadou mais de R$ 350 milhões.
Outra coisa: nem tudo é fácil. A futura concessionária deverá investir cerca de R$ 440 milhões ao longo dos trinta anos. Está prevista, inclusive, a construção de uma nova estação para captação e tratamento de água, a fim de evitar a compra de água da Copasa. Entretanto, há alguns erros no edital. Lá consta que a cobertura dos serviços de fornecimento de água feita atualmente pela Copasa é de 85%. Ou seja, quinze por cento da população não teria acesso à água tratada na nossa cidade. Esta informação eleva os investimentos a serem feitos na expansão dos serviços, diminui as receitas previstas para a concessionária e leva à fixação de metas incorretas. Não é preciso ir longe para ver que esta informação está errada: basta acessar o SNIS (Sistema Nacional de Informações de Saneamento), procurar por municípios e acessar os dados de 2023 para Ipatinga.
Isso gerou uma incoerência: pelos dados do edital, a cobertura de esgoto alcança 93,71% da população, enquanto a de água é de 85%, como dito acima. Ou seja, haveria residências ligadas à rede de esgoto que não teriam água... Para que serviria essa rede, então? Mais um ponto: no cálculo de impacto financeiro no combate às perdas de água, também há omissões que impactam as receitas. Para cada 100 litros de água que a Copasa distribui hoje em sua rede, mais de 44% se perdem e não são faturados. A maior parte dessas perdas são as chamadas "perdas reais", decorrentes de vazamentos nas redes de distribuição. Mas há também as chamadas "perdas aparentes", ou comerciais, que ocorrem quando a água é consumida, mas não faturada, devido a erros ou omissões no cadastro, falhas no hidrômetro ou até mesmo fraudes.
Essas perdas aparentes, se combatidas, elevam o faturamento diretamente, sem aumentar as despesas. Se, por hipótese, as perdas aparentes representarem vinte por cento das perdas totais, o faturamento da futura concessionária se elevaria em 8,5%, com impacto direto na sua lucratividade. Há diversos estudos sobre o assunto contratados pelo Governo Federal que corroboram essa hipótese, e o tema é amplamente conhecido pelos especialistas em saneamento. Enfim, o edital é uma peça complexa, com doze anexos e muitas informações. Oportunamente, voltaremos ao assunto.
*Economista, empresário, morador de Ipatinga.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Conhecedor
15 de agosto, 2024 | 09:58Por se tratar de empresa pública e não privada , há ( com certeza) má vontade dos funcionários em tratar com qualidade a água e o esgoto , privatizando a copasa , abrirão oportunidades á outros profissionais que sabem tratar água e esgoto e com isso a má qualidade prestada atualmente ,principalmente nos cortes asfálticos .”
Leitor
14 de agosto, 2024 | 23:38Bom artigo!
Licitação estranha, esquisita!
Fim de mandato, sei não!”
Claudio Scliar
14 de agosto, 2024 | 10:24Excelente artigo - relato de uma situação que deve ser comum em outros municípios. Os 44 % que não são computados cobrados com certeza acarretam um sério problema para a empresa, seja pública ou privada. Espero com atenção o desenrolar dessa história em Ipatinga.”
Lucimar Vasconcelos
14 de agosto, 2024 | 09:51Se a empresa vencedora terá que comprar a água da Copasa e terá que fazer investimentos milionários para buscar a captação da sua própria água para abastecer Ipatinga, como será possível manter esse desconto que a licitante terá que propor? Outro ponto: Centenas de famílias de baixa renda são beneficiadas com a tarifa social. o edital contempla essas famílias?”
Giselda de Sales Bicalho
14 de agosto, 2024 | 09:10Esclarecedor! Parabéns!”
Gildázio Garcia Vitor
14 de agosto, 2024 | 05:25Excelente artigo! Vossa excelência é fera! Parabéns Camarada!
Espero que volte ao tema o mais rápido possível, esclarecimentos deste nível não sai nas reportagens.
É por uma dessas e por outras, que o povo das Direitas não engolem os das Esquerdas.”