30 de julho, de 2024 | 12:08

Nasa não afirma que Brasil todo ficará inabitável por causa do calor

Meteorologista aponta informações equivocadas a partir de um estudo de 2020, que geraram boataria sobre o "Brasil inabitável em 50 anos"

Você leu nos dias anteriores, uma série de “notícias”, afirmando que o Brasil ficará inabitável dentro de 50 anos “segundo a Nasa”? Os informes alarmistas destacaram que o país vai ficar inabitável até 2070 devido ao aquecimento do planeta, citando um suposto estudo da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos.

Entretanto, a história é outra. Quem esclarece é a meteorologista Estael Sias, formada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Mestre em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (USP). Sócia-diretora do site MetSul Meteorologia.

Conforme a meteorologista, o estudo original foi publicado em 2020, portanto quatro anos atrás, e do nada um veículo atrás do outro começou a informar a tal previsão sem oferecer o devido contexto ao leitor, no melhor estilo “copia e cola”, muito comum nos tempos atuais. Sem apuração, o erro de um é replicado por outros, levando o leitor ou internauta a informações enganosas.

A boataria alarmista surgiu porque em 2020 três pesquisadores publicaram na revista Science, uma das mais respeitadas do mundo, um estudo intitulado “The emergence of heat and humidity too severe for human tolerance” (em tradução livre “O surgimento de calor e umidade severos demais para a tolerância humana”).

Passados dois anos, em 2022, uma das páginas da NASA na internet publicou uma nota intitulada “Quente demais para lidar: como as mudanças climáticas podem tornar alguns lugares quentes demais para se viver”.

Sem citar o Brasil
O artigo original de 2020 não faz qualquer menção ao Brasil, mas a nota da Nasa, dois anos depois, traz o Brasil em seu texto. O que diz a nota originalmente?

“As áreas mais vulneráveis incluem o Sul da Ásia, o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho por volta de 2050; e o Leste da China, partes do Sudeste da Ásia e o Brasil até 2070”.

“Em nenhum momento, contudo, a nota da agência espacial dos Estados Unidos informa que o Brasil inteiro se tornará inabitável até o ano de 2070”, alerta Estael Sias.

A especialista observa que o clima brasileiro varia muito de uma região para outra e o país possui uma área de proporções continentais, assim a temperatura pode se tornar extrema demais no futuro em algumas áreas do Brasil, mas não em todo o território nacional.

Ciência sem boataria - O estudo original de 2020 mapeou episódios de calor extremo ou excepcional ao longo de várias décadas no mundo. Os pesquisadores do estudo da Science se valeram da chamada temperatura de bulbo úmido com patamar acima de 35ºC.

A temperatura de bulbo úmido não é a mesma do ar circulante, que as pessoas estão habituadas a ver na previsão do tempo, sendo um dado que leva em conta a temperatura e umidade, o que permite avaliar o estresse térmico para a fisiologia do ser humano.

Embora temperaturas acima de 35ºC do bulbo úmido sejam muito perigosas para a saúde humana, com risco até de mortes por choque de calor, elas não significam a extinção da vida.

Tanto que já ocorreram em áreas do Oriente Médio como do Golfo Pérsico, e mesmo no subcontinente asiático, em países como Índia e Paquistão, onde o período de transição entre o calor extremo de março a maio para as monções pode gerar calor úmido excepcional. Nem por isso a vida foi extinta naquela região.