30 de julho, de 2024 | 13:00
E foi assim...
Nena de Castro *
Dia, meus leitores queridos! Dom João VI, correndo das confusões das guerras napoleônicas, transferiu-se com sua corte para o Brasil. No vai- da-valsa, chegamos a Reino Unido e a colônia progrediu. Claro, que a par de tantos benefícios advindos da real presença, ficava mais fácil para o rei fiscalizar a extração do ouro e pedras preciosas e nem tão fácil assim, fiscalizar a vida amorosa de sua esposita, a espanhola Carlota Joaquina de Bourbon que não podia ver uma perna de calça” sem conhecer intimamente seu conteúdo. Bem, depois das coisas melhorarem na ex-colônia, muitos outros portugueses vieram para o Brasil buscando se ajeitar na vida e foi assim que Leonardo Pataca e Maria Hortaliça se conheceram no navio. Ele lhe deu uma pisada forte no pé direito, ela respondeu com um beliscão nas costas da mão esquerda do gajo, passaram o dia em namoro, e ao anoitecer, repetidos o pisão e o beliscão renderam-se ao desejo.Maria já desceu grávida do navio, foram morar juntos e daí a alguns meses nasceu um menino enorme, forte, gordo, vermelho, o qual depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. Leonardinho, logo que aprendeu a andar e falar, quebrava tudo, era um destruidor, indiferente às surras que levava.
Um dia o pai percebe que Maria Hortaliça recebia muitas visitas masculinas e surpreendeu certo sujeito que saltou pela janela. Depois de espancá-la, percebeu que o menino tinha rasgado todos os processos que trouxera (ele era meirinho, ou seja oficial de justiça) deu-lhe um chute nos glúteos, atirando-o sentado a quatro braças de distância, dizendo: és filho de uma pisadela de um beliscão; mereces que um pontapé te acabe a casta”. Criado pelo padrinho, o menino cresce na manha, sempre dando um jeito de se safar das situações difíceis, é o nosso herói picaresco”, aquele que sempre se sai bem, apesar da desonestidade, malícia, humor. Esse é o tom do romance Memórias de um Sargento de Milícias”, escrito no período romântico e que desenvolve pela primeira vez na literatura nacional a figura do malandro mulherengo, do anti-herói que vence, apesar de tudo. Há sempre uma saída, ele é protegido, e no final, consegue ficar com a mulher que ama e é aceito na milícia, como sargento.
Milícia aqui, caros leitores, é a polícia regular, não o que é hoje, esse poder paralelo que corrói como um cancro as instituições do país e da qual morremos de medo. O autor, Manoel Antônio de Almeida foi diretor da Tipografia Nacional e deu emprego e orientação a um menino mestiço e pobre, chamado Machado de Assis! E seu romance tem muito a ver com o Realismo, seu herói não é perfeito como os heróis românticos e ele faz uma divertida crônica histórica de um país que dava os seus primeiros passos buscando a autonomia, mas já demonstrando o desvio moral em dar um jeitinho”, em ser apadrinhado, em levar vantagem”, é uma abordagem com humor sobre a malandragem que acaba bem. Qualquer semelhança com os nossos políticos, não é mera coincidência, infelizmente! E nada mais digo!
* Historiadora e contadora de histórias
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]
Gildázio Garcia Vitor
30 de julho, 2024 | 17:27Muito bom! Parabéns! Obrigado!
Apesar de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" ser uma obra-prima maravilhosa, prefiro ler e reler outras "memórias": as "do Sargento de Milícias" e as "de Um Cabo de Vassoura," de Orígenes Lessa, adoro ler coisa bem-humoradas. Entre Érico Veríssimo, do "Tempo e o Vento" e "Um Certo Capitão Rodrigo," e Luís Fernando Veríssimo, de "Comédias da Vida Privada" e "O Analista de Bagé," prefiro ler o segundo, o Filho.”