25 de julho, de 2024 | 07:00

Silêncios

Ana Rosa Vidigal *

Descobri que meus ouvidos não são mais acostumados ao silêncio. Estranham essa massa pesada que é o ar sem ruído. Ou quase: o ar meio a singelas alterações de ondas sonoras, de baixa frequência, delicadas e intermitentes. Você já ouviu, com atenção, um silêncio? Estranhamento.

E o que é o silêncio? Galo cantando ao longe. Um latido de cão, um piado de gavião. Um ranger baixinho da aba da janela de madeira e vidro, em movimento mínimo com o vento. Brisa, eu diria.

Vento, brisa, furacão. O ar tem suas densidades quando está em movimento. E quando transporta o som? Barulho, ruído, ruído alto, baixo, barulhão, vazio?

Qual a intensidade do silêncio? Como medir o som que não invade o ar, está leve, mas 'pesa', e por quê? Se não carrega essa quantidade desencontrada, descontrolada, desorganizada e ininterrupta de barulhos de rua de cidade...

Estou bem no interior de Minas. Um caminho, um jardim, uma mata densa ao redor, montanhas, vales, céu, árvores. Piados esparsos. Vez ou outra a cortina do quarto faz um leve manejo esvoaçante e volta para a inércia.
Sol da tarde, cochilo do marido. Mas eu não durmo. Fico em ‘silêncios’.

Anunciada a partida para daí umas dezenas de minutos, permaneço aqui deitada olhando para o teto, bonito, rodeada de móveis bonitos, em uma paisagem bonita e me sinto assim dentro de uma pintura animada.
“Em silêncio, a gente encontra o tempo, frente a frente, parado, olhando intensamente para dentro da gente”


Sei que há uma tarde [in]finita, um respiro compartilhado, um calorzinho que, ao entrar pela janela, deixa tudo devagar. E só. Céu azul com algumas nuvens, também esparsas.

Talvez o anúncio de uma luz do sol dourada, e a saudade de uma filha que mora em Málaga. A da outra que está na estrada, no Rio, com meus pensamentos que fazem um risco encurvado nisso tudo. Assino.

Silêncios não inspiram a dizer muito. Nem eu quero interrompê-los. Quero mesmo é fazê-los sobrepor a insinuação de qualquer barulho interior: meu e ao redor.

Em silêncio, a gente encontra o tempo, frente a frente, parado, olhando intensamente para dentro da gente. Fico parada também, respirando lentamente para não perturbar o momento, estático; o corpo estático. Tudo parado. Tudo em um. O silêncio une. No fio de todas as coisas, uma ponta a outra. E só.

* Professora, psicopedagoga, consultora pedagógica e jornalista. Doutora em Língua Portuguesa pela PUC Minas e Université Grenoble III, França. Atua na formação de educadores, professores, gestores, líderes e equipes, ministrando palestras e cursos nos domínios da Educação, da Comunicação e People Skills, suas interfaces nas relações humanas, na construção do vínculo e na potencialização das atividades profissionais. Publica às quintas-feiras, na editoria Opinião do Jornal Diário do Aço, temáticas relacionadas ao desenvolvimento humano na vida cotidiana. Instagram: @saberescirculares | email: [email protected]

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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

25 de julho, 2024 | 21:43

“Quanta honra Professora! Muito obrigado! Me senti homenageado com as suas doces palavras.
Para mim, um elogio, em mais de 42 anos dedicados ao Magistério, tentantado, e conseguindo cada vez menos, "circular saberes."

"Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios."”

Ana Lúcia C. R. Pereira

25 de julho, 2024 | 19:42

“Muito obrigada! Adorei a sua crônica - Silêncios.
Eu do seu time: fechar os olhos e ouvir o silêncio do tempo ou o som das pequenas coisas que nos rodeiam.”

Ana Rosa Vidigal

25 de julho, 2024 | 16:27

“Ei, Gildázio, como vai?
Agradeço suas palavras gentis e sua presença sempre bem-vinda por aqui. Fico feliz com a circulação de Saberes que você proporciona e, mais especificamente, com sua partilha da citação de Kafka, que ainda não conhecia. Adorei!
Um abraço e muito obrigada novamente : )”

Gildázio Garcia Vitor

25 de julho, 2024 | 14:13

“Lindo e poético artigo! Parabéns!
Também estou no interior do interior de Minas: zona rural de Orizânia. Só frio e café: nos pés (ainda), nos terreiros, nos secadores, nas "tuias" e nos bules e/ou qgarrafas.

Um pouquinho de Kafka para ilustrar o nosso "Silêncio"
"Não é necessário sair de casa.
Permaneça em sua mesa e ouça.
Não apenas ouça, mas espere.
Não apenas espere, mas fique sozinho em silêncio.
Então o mundo se apresentará desmascarado.
Em êxtase, se dobrará aos seus pés."”

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