13 de junho, de 2024 | 11:00

A Reforma do Código Civil – um direito de prosa com Maria Berenice Dias

Guilherme de Castro Resende *


O chavão comum é ser revolucionário aos 20 e conservador aos 40 anos. Ainda bem que nunca gostei de ditados populares. Em conversa com Maria Berenice Dias, pude perceber que a força da lucidez de se indignar com estruturas arcaicas não tem idade. A primeira mulher juíza no estado do Rio Grande do Sul, a primeira desembargadora do estado, participa da subcomissão de direito de família da reforma do Código Civil com ideias inovadoras e, ainda, arruma espaço para trabalhar na reconstrução do desastre que assola seu estado.

A admiração por essa instituição que é Maria Berenice aumentou quando tivemos um bate papo longo no vídeocast direito de prosa, presente em plataformas como Youtube e Spotify. Para quem se interessa no regramento de nosso cotidiano, o Código Civil que virá deve ser o assunto de cabeceira. Pense nos inúmeros negócios jurídicos do dia a dia; nas diversas empresas; na sua propriedade; e, principalmente, na família e na sucessão dela. Isso tudo vai ser reformado.

Teremos um direito de família ou das famílias? Eis a proposta de Maria para um dos livros do Código. Muito atenta à linguagem, já que ela pode demonstrar uma senhora violência, o plural – Das Famílias – indica que há variados projetos de família, não apenas a tradicional, com papai, mamãe e filhinho, mas também a homoafetiva, a poliafetiva, a monoparental, a eudemonista... Enfim, pelo conceito da professora, família é um vínculo de afeto que repercute no ordenamento jurídico, gerando direitos e obrigações. Contudo, sua proposta de inclusão das famílias, ao menos na linguagem, não foi aceita. São os ônus e bônus de uma democracia, mas é de extrema importância haver pessoas com ideias bem embasadas para a sociedade pensar e discutir novos caminhos.
“Pelo conceito da professora, família é um vínculo de afeto que repercute no ordenamento jurídico, gerando direitos e obrigações”


Percebendo um viés demasiado conservador na subcomissão, instigamos a professora sobre o melhor momento para uma reforma, de que, talvez, o atual não fosse o tempo propício a uma mudança. Ela não titubeou. Apesar de certa estagnação, há doutrina e movimento jurídico avançado em nosso país. Em verdade, nunca há o momento ideal, temos que aceitar os desafios e trabalhar pelo melhor, com sobriedade e dignidade.

Um ponto em particular nos chama atenção: a “sacralização da maternidade”. A professora comunga da ideia que a sociedade coloca a mãe num espaço já definido, como sendo imutável por ser sagrado. Lembrei-me da Simone de Beauvoir ao expor que ninguém nasce mulher, mas torna-se uma. O fardo é consideravelmente maior para ela. É preciso “dessacralizar” a maternidade, para não colocar a mulher numa pressão natural que não existe.

Um exemplo gritante que a professora nos cita é o das famílias simultâneas, isto é, aquelas em que há duas ou mais famílias ao mesmo tempo, com todas as características de uma união estável. A Justiça Federal determinava, nesses casos, a partilha dos benefícios previdenciários e, em alguns momentos inclusive, a partilha patrimonial. Contudo, com a mudança subjetiva do Supremo Tribunal Federal, nova decisão trouxe insegurança jurídica, baseada em conceito totalmente extrajurídico ou a-jurídico: o princípio da monogamia! Há de se fazer uma ginástica jurídica para se ignorar uniões públicas, notórias e, muitas vezes, com filhos, ao se estabelecer uma família principal e outras “bastardas”, sem direito a nada.

Outras tantas questões são debatidas e podem vir no Código vindouro, como o divórcio unilateral, concedido de forma liminar; ou como o estabelecimento de divisão de custeio das despesas com animais de estimação; ou como a menor burocracia para registro de filhos. Assim, embora haja um “ranço conservador”, conforme a própria professora deixa manifesto, há avanços normativos significativos, capazes de refletir maior justiça. Torçamos para que o farol de Maria Berenice Dias continue a nos iluminar com sua sabedoria e vanguarda.

* Professor e Advogado do escritório Jayme Rezende, com o canal no Youtube: Direito de Prosa.

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço

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