11 de junho, de 2024 | 12:00

Era junho...

Nena de Castro *


Era junho, o mês das festanças e o arraial se enfeitava para festejar São João. O friozinho não incomodava ninguém e todos esperavam pela festa, ornamentando o largo do coreto com bandeirolas de papel colorido, recortadas por múltiplas mãos e colados com grude de farinha de mandioca nos barbantes e embiras. As mulheres, em casa, cozinhavam a canjica grossa, a canjiquinha com costela, os licores de frutas variadas, o pé de moleque, a queimadinha com amendoim, preparavam paçoca broas e biscoitos e faziam o delicioso quentão... A leitoa e as galinhas assadas no capricho para o leilão faziam circular um cheiro delicioso. As moçoilas e os rapazes faziam toda a montagem do local, recolhiam as prendas para serem leiloadas, a batata doce que seria assada na fogueira e a molecada mais atrapalhava que ajudava, falando em alta voz e rindo de nada e de tudo! Seu Totõe mais os filhos montavam a fogueira, a cada ano mais bonita, com os troncos dispostos com maestria! Mais tarde chegaria o sanfoneiro, os pares animados dançariam quadrilha, foguetes espoucariam no céu, e à meia-noite os corajosos atravessariam o local da fogueira, pisando descalços nas brasas vermelhas, sob a fé que não se queimariam pela proteção do santo padroeiro. Era também a época dos namoros, as mães ocupadas não vigiavam tanto as filhas, os irmãos se distraíam e era possível pegar na mão da moça, dar um abraço durante a dança e até um beijinho no escuro do coreto ou da porta da igrejinha...

Entre as moças, Maria Luzia contava o tempo, que não parecia passar. O coração descompassado, revia o plano feito através de bilhetes: no finalzinho da quadrilha, quando ia começar o leilão e a disputa dos Festeiros promotores da comemoração, ela se afastaria de seu par com uma desculpa, caminharia por trás do coreto e desceria o morrinho de acesso, escuro naquela hora pois a luz dos lampiões não chegava lá. Desceria pelo mato, não pela trilha e lá embaixo, mais adiante, Romualdo a esperava com um cavalo arreado. Ela havia deixado algumas roupas num embornal ali perto e estava decidida a fugir com o amado, cuja família era odiada por seu pai. Bem que ela tentara, o moço tentara falar com o pai para pedi-la em casamento, mas fora enxotado a cano de espingarda e revólver. Era um amor impossível que ela se recusava a perder, haveria de fazer tudo para ser feliz ao lado do homem que amava. Eles iam fugir pra longe e Romualdo prometeu que se casariam logo que se ajeitassem no novo local. Ela sabia dos perigos. Se seu pai descobrisse, seriam ambos mortos. Ele não perdoaria. Mas ela estava disposta a tentar, lutando pelo homem que amava. O tempo passava tão devagar, o coração galopava e Luzia esperava.

A festança começou, todos animados, Viva São João! Hora da quadrilha -Anarriê! Olha a cobra! Cumprimentos de damas! E de cavalheiros – e os pares se movimentavam, felizes. Hora do leilão: com uma desculpa, Maria Luzia se afasta do par e segue para o lado escuro do coreto. Corre pela trilha perto das árvores! Logo avista o amado. Sobe na garupa do cavalo e o galope assusta as aves noturnas. E o casal parte em busca de seus sonhos, sem saber que logo atrás, espumando de ódio, vinham o pai e seu jagunços...

* Escritora e encantadora de histórias

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