15 de maio, de 2024 | 09:20

Duas faces da mesma crise: Seca e inundação

Antônio Nahas Junior *


Vivemos hoje a intensidade da tragédia sem fim que assola o Rio Grande do Sul, Estado brasileiro rico, com agricultura e indústria desenvolvidas. Há décadas, no século passado, as tragédias ocorriam no Nordeste. E não eram causadas por inundações, mas pela falta de água. A seca na região era endêmica. Repetia-se em períodos, gerando miséria, fome e destruição. Luiz Gonzaga, o rei do baião, cantou o fenômeno no poema A Triste Partida: “setembro passou, outubro e novembro...já estamos em dezembro, Meu Deus qu’e´de nós”, composto por Patativa do Assaré. João Cabral de Melo Neto, grande poeta brasileiro, compôs Morte e Vida Severina, poema que foi musicado por Chico Buarque. Tem gente que atribui a autoria ao Chico: “Esta cova em que estás com palmos medidos...”.

E tem mais: Graciliano Ramos, para mim o maior escritor brasileiro, escreveu o livro Vidas Secas. Uma tristeza só. Quem leu o livro se emocionou com a morte da cachorrinha Baleia, pelo seu dono, Fabiano. “Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito. (...) Pobre Baleia. Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia. Os meninos começaram a gritar e espernear (...)”
Os Retirantes, de Cândido Portinari Os Retirantes, de Cândido Portinari

E Portinari, o grande Cândido Portinari, pintou Os Retirantes, ainda em 1944, uma das cenas mais tristes que se poderia conceber para colocar numa tela. Os retirantes eram aquelas famílias expulsas das suas terras pela seca. Saíam em bandos pelas cidades, marchando de forma silenciosa pelas estradas e cidades, em busca de água e alimentos.

Expulsos da sua terra, quando podiam, migravam para o Sudeste, povoando encostas, morros, vivendo de forma precária, sem residência, saúde ou instrução. Foram estes miseráveis que Juscelino Kubitschek, já eleito presidente na segunda metade da década de 50, em 1958, foi procurar no interior do nordeste, quando soube do flagelo da seca.

Encontrando uma multidão de retirantes, Juscelino faz um discurso cheio de promessas e teve como resposta o silencio. Logo depois, a exibição de panelas vazias, indicando fome.

Chocado com o que viu, influenciado pelos fatos, trabalha com Celso Furtado a ideia do desenvolvimento da região. Nasce a Sudene, principal iniciativa governamental que, junto com outras, trouxe algum alívio ao Nordeste.

Naqueles tempos, ninguém associava as secas do Nordeste à ação humana. Afinal o Nordeste recebeu ainda no século XVI a cultura de cana de açúcar. A cana era moída e o caldo cozinhado nos fornos movidos a lenha nos engenhos. Estes fornos foram descritos pelos jesuítas como imitação do inferno. E, certamente, sua alimentação exigia muita lenha, devastando as florestas da região.
“Diga-se claramente: a emissão de C02, que ocasiona o aquecimento global é a consequência mais drástica das relações mal equacionadas entre o homem e o meio ambiente”

O Rio Grande - Hoje assistimos uma tragédia quase inversa. Acontece num estado que gera 6,5% do PIB nacional,13% da agricultura e 10% da pecuária do país. Produz 70% do arroz nacional e os impactos sobre a economia gaúcha vão se estender por todo o país.

As inundações atingem tanto agricultores como a população urbana. E, de uma forma ainda acanhada, surge a questão do meio ambiente. Alguns atribuem a tragédia ao aquecimento do planeta e às ações do govenador Eduardo Leite. Outros, defendem-no.

Porém, uma coisa é certa: a ocupação humana desrespeitou os ciclos naturais, levando à utilização de extensas áreas que sempre seriam sujeitas à inundação. Era uma questão de tempo o que aconteceu. E o aquecimento global pode ter sim agravado e intensificado a tragédia.

Diga-se claramente: a emissão de C02, que ocasiona o aquecimento global é a consequência mais drástica das relações mal equacionadas entre o homem e o meio ambiente. Mas não é a única. O desmatamento; a destruição da mata ciliar; a retificação do curso dos rios; o assoreamento dos seus leitos, todos estes fatores acabam por intensificar os efeitos do aquecimento global, gerando tragédias imprevisíveis.

Pelo menos, ao contrário do que ocorria no século passado, a relação homem natureza emerge como tema a debater e a ser resolvido. Seu equacionamento interessa a todos: Sulistas, nortistas, petistas, bolsonaristas, lulistas, cientistas, estudantes. Que desta crise saiam soluções, como Juscelino fez para Nordeste, criando a Sudene.

* Economista, Diretor da NMC Integrativa. Contato: [email protected]

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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

15 de maio, 2024 | 10:53

“Acredito que não devemos utilizar "seca endêmica" para o Sertão Nordestino nem como analogia, mesmo considerando apenas o território Nacional, porque climas árido e semiárido ocorrem em várias regiões da Terra.
Muitas espécies de vegetais e algumas de animais, de répteis e de insetos só ocorrem, ou ocorriam, nas nossas Caatingas, portanto são endêmicas.”

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