02 de abril, de 2024 | 11:00
Deu ruim...
Nena de Castro *
Chamava-se José Goberlino Santos. Era magro, muito magro, estatura mediana, calvo... Tinha duas metas na vida: ganhar dinheiro e fazer filhos. Para ganhar dinheiro, trabalhava muito em sua terrinha: cuidava das vacas, plantava, colhia, vendia. Para fazer filhos contava com dona Santa, a esposa fiel que era devota de São Sebastião. A santa senhora paria um filho por ano e por duas vezes engravidara no resguardo. Tinham 17 filhos, 9 meninas e 7 meninos. Era uma fila de Marias, Maria da Consolação, Maria Antonieta, Maria das Virtudes, Maria Temperata, Maria de Lourdes, Maria Pia, Maria Dileta, Maria das Graças, Maria Eudóxia...
Já os meninos todos eram José: José da Paz, José Engrácio, José Felisberto, José Papa e por aí ia... Além de bom fazedor de filhos, era bom também em guardar dinheiro, sua alegria era ser pão duro, sovina de fazer inveja ao Tio Patinhas: o lema de sua vida era ganhar muito, gastar pouco ou nada e guardar o rico dinheirinho no baú que possuía e que ninguém sabia onde ficava escondido. Para alimentar os filhos, tinha na casa da vila, um pomar muito bem cuidado. Então as crianças podiam se fartar com frutas o ano todo. E bananeiras, pés de inhame e batata hortaliças em geral... As roupas de um filho passavam pro outro, dona Santa reformava com zelo. E assim viviam.
José Goberlino não confiava em bancos, em promessas do governo, sua aposta para a velhice eram os filhos e o dinheiro guardado. Vestia sempre roupas cáqui, usava a botina ringideira até rasgar, e ia levando a vida. Até que Virtudinha conheceu Jocimar Cantagallo numa festividade do mês de maio. Namoro em casa, com horários certinhos, tudo como manda o figurino.
"" Está provado que enquanto tiver cavalo, São Jorge não anda mesmo a pé
Os pais do rapaz vieram conhecer a família e tudo corria bem. Jocimar começou a ajudar o sogro na roça, a opinar sobre o gado, a comandar os cunhados nas tarefas. Tinha uma mania que as tias Umbelina e Margarida adoravam, o de beijar a mão das mulheres com todo o respeito, claro! Quando o casamento se aproximava, começou a falar com o sogro sobre as agruras do trabalho na roça, ele devia aplicar o dinheiro em algo que trabalhasse por ele e não o sujeitasse àquela trabalheira toda. Tanto falou e demonstrou com contas e cálculos, que convenceu o sogro a vender a terra, juntar seu dinheiro e aplicar numa loja de tecidos. O sogro só teria que pegar os lucros, ele seria o gerente e todos os cunhados teriam onde trabalhar.
E assim foi: meses depois foi inaugurada a loja na cidade vizinha, com muitas festividades. Só que logo, o gerente começou a dispensar alguns cunhados, por não serem cuidadosos, por não tratarem bem os fregueses... Daí a pouco nenhum deles queria trabalhar mais no empreendimento, nem os rapazes, nem as moças. O velho Goberlino, sofreu um AVC e ficou entrevado, sequer falava. Os filhos se desentenderam por causa das intrigas de Jocimar e descobriram que tudo estava em nome dele. As moças foram se casando, outras foram trabalhar na cidade vizinha. Jocimar se deu bem na vida, resolveu entrar na política. E pobre José Goberlino ficou sem seu seguro de vida, ou seja, os filhos e o dinheiro tão zelosamente guardado. Morreu logo em seguida. Azarado. Está provado que enquanto tiver cavalo, São Jorge não anda mesmo a pé...
* Escritora e encantadora de histórias
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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