27 de março, de 2024 | 14:52

Mamãe na internet

Antonio Nahas Junior *


Estava a procurar informações na internet quando tive uma surpresa: encontrei cartas da minha mãe, dirigidas à advogada Mércia Albuquerque, do ano - imaginem - 1971 -. Dra. Mércia fora contratada pelos meus pais para me defender junto à Justiça Militar, pois eu fora preso em Recife, quando pertencia ao grupo VAR-Palmares, que lutava contra a ditadura.
Defendeu mais de 500 presos políticos, a maioria deles de graça. Visitava as prisões; atendia de forma solícita e atenciosa os parentes dos presos. Nunca utilizou sua ação para autopromoção. Partiu desta vida de maneira anônima, deixando enorme acervo - cartas, diários, processos -, que agora está sendo catalogado e recuperado.

Quanto a mim, fui condenado a quatro anos de prisão, dos quais cumpri dois. E é nesta condição que falo sobre os personagens que foram presos e agora estão sendo julgados e condenados por participarem das manifestações e invasões acontecidas em 8 de janeiro de 2023.

As recentes revelações das tramas palacianas engendradas pelo presidente derrotado, mostraram de forma clara o fracasso das suas tentativas. O trapalhão - que prefiro não pronunciar o nome - tentou, tentou, mas nada conseguiu. Suas artimanhas fracassadas revelaram tanto a coragem de alguns militares, que se mantiveram firmes na defesa da democracia, quanto a cumplicidade e servilidade de outros, prontos a atender os caprichos de um inepto.

“O país vive uma polarização política intensa, que calcificou posições extremas, dificultando o diálogo”

Baldadas as articulações golpistas, novo Presidente empossado, surgem as manifestações do 8 de janeiro, reunindo milhares de pessoas, as quais nada tinham a ver com as manobras palacianas. Manipuladas, mal informadas, embaladas por fake news sobre fraude nas urnas, acreditando nos seus líderes, cometeram os atos de vandalismo que já cansamos de assistir. Não procuraram se esconder, pelo contrário: tiraram fotos das invasões; fizeram vídeos e postaram; dando publicidade aos seus atos, numa atitude totalmente ingênua, parecendo desconhecer inteiramente a gravidade do que estavam fazendo.

Suas ações revelam sobretudo o desgaste das instituições democráticas - Justiça; Congresso e Executivo - e as possibilidades de manipulação de parcela da população insatisfeita e ressentia com a sociedade, por políticos de ambições ditatoriais, como está acontecendo em diversos países do mundo.

Presos, abandonados, identificados, deixados à própria sorte, os manifestantes do 8 de janeiro foram condenados a penas que variam de 12 a 17 anos. Tiveram suas vidas destruídas. Emprego, estudo, interação na sociedade. Em sua maioria, não procuravam defender interesses pessoais. Agiram na defesa dos seus ideais e merecem respeito.
Lutavam pelas suas ideias e acreditavam nos seus líderes, que se safaram até agora, com certa tranquilidade. Afinal, as lideranças não foram à luta. Assistiram de longe, certamente com prazer, as traquinagens dos seus liderados.
Agora, sabemos tudo que aconteceu. E então, o STF vai demonstrar o mesmo rigor na condenação dos Generais que urdiram e tramaram o golpe fracassado, contribuindo para estimular o 8 de janeiro? Ou a dureza da condenação vai atingir apenas àqueles coitados que agiram na defesa das suas ideias?

A regra vai ser a mesma? Ou melhor: vai haver maior dureza na condenação dos líderes e a consequente sublimação da pena dos liderados?
Os ministros do STF têm demonstrado grande desenvoltura no exercício das suas funções, ocupando seguidamente espaço na mídia. Será uma boa oportunidade de demonstrarem que a Justiça é cega; neutra e impessoal. E, quanto mais discreta, melhor.

O país vive uma polarização política intensa, que calcificou posições extremas, dificultando o diálogo. As principais correntes políticas do país se opõem de forma antagônica, trocando ofensas, acusações e não argumentos. A atividade política existe para formatar interesses e propostas que atendam a toda a sociedade. Momentos de crise podem ajudar a viabilizar soluções de convivência de pensamentos diferentes, contribuindo para o fortalecimento da sociedade. Aumentar a polarização é nocivo e pernicioso.

Pedindo perdão ao leitor, abaixo, reproduzo uma das cartas da minha mãe à Dra. Mercia.

"Belo Horizonte, 26/8/1971

Prezada Dra. Mércia,

Estou simplesmente transtornada com a situação em que se acha ainda o meu filho. É inacreditável uma coisa dessa, pois, nem na ocasião do inquérito ele não ficou tanto tempo fechado sem sol e sem ver ao menos a luz do dia porque, quando o visitamos a primeira vez, que foi em junho de 70, consequentemente um mês e pouco após a prisão, ele já se achava tomando banho de sol e fazendo exercício físico diariamente e agora, sub judice, julgado e há quase 3 meses no DOPS fechado e assistindo possivelmente cenas pungentes e muitas vezes relembrando o que ele passou lá mesmo e depois em Salvador.
Ora, Dra. Mércia, a senhora não me disse que ele havia seguido? Fiquei até pensando que ele tivesse ficado noutra prisão em Salvador, entretanto, está aí? Diga-me por favor o que está acontecendo. Eu já nem durmo e nem alimento pensando nisto. Estou escrevendo também para o Juiz solicitando a ele esta interferência, deixando de pensar se vale ou não, pois as minhas palavras são de uma mãe que está desesperada.
Sem saber se vale alguma coisa ou não, estou lhe enviando a cópia da defesa de Salvador, que se refere à condenação dele em Recife.
Certa de que a senhora tudo fará pela liberdade de meu filho, despeço-me.

Ondina Pedrosa Nahas."

* Economista, empresário. Diretor-Presidente da NMC Integrativa.

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Comentários

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Antonio Nahas

29 de março, 2024 | 20:16

“Gildazio: sim fui perseguido. Dra: Márcia salvou muitos. Mais de 500. Uma heroína. Como muitos outro s. Nossa luta prossegue.
Obrigado pela leitura e pelo comentário.”

Gildázio Garcia Vitor

27 de março, 2024 | 15:25

“? meu grande Camarada, você, que foi perseguido pela ditadura defendendo estes analfabetos políticos golpistas?!
Lembre-se que Doutora Mércia não conseguiu "salvar" a todos. Hoje mesmo, a BBC NEWS BRASIL publicou uma reportagem sobre José Carlos da Mata Machado, assassinado sob tortura das forças de segurança da Ditadura em Recife.”

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