CADERNO IPATINGA 2024

21 de março, de 2024 | 11:00

Opinião: Meu amigo acha que os fins justificam os meios - caso Robinho

Guilherme de Castro Resende *


Daniel Alves, jogador de sucesso da seleção brasileira e do Barcelona, foi condenado pelo crime de estupro na Espanha. Ele se encontrava em prisão preventiva por conta do risco de saída do país. A mesma medida não aconteceu com outro jogador de sucesso, Robson de Souza, o Robinho. Ele também foi condenado pelo crime de estupro, só que na Itália, a nove anos de prisão e 60 mil euros de multa. Como não houve preventiva, ele retornou ao Brasil, seu Estado de nacionalidade. Com a decisão já transitada em julgado em janeiro de 2022, a Itália pretende impor a pena aqui no Brasil. Meu amigo Lúcio, em conversa acalorada, já decidiu: Robinho tem que ser preso não importa a lei.

Ninguém em sã consciência pode ser a favor de um estupro. É crime lá, é crime aqui. Infelizmente essa realidade foi e continua a ser bem visível para a mulher, maior vítima dessa odiosa infração. Ter uma vítima a cada dois minutos no Brasil, segundo o IPEA, nos mostra o tipo de civilização que somos: doente. Portanto, já passou do momento de termos uma mudança estrutural na educação, especialmente a do homem, para entender que a mulher não tem que se submeter aos caprichos dele.

Todavia, por mais hediondo que seja, aquele denunciado por estupro, deve responder por ele, com seu devido processo legal. Eis uma exigência também comum entre Brasil e Itália. Dito isso, Lúcio é categórico: se é criminoso, mande para a Itália duma vez. Por que não? Porque a nossa Constituição não permite, simples assim. Nenhum brasileiro nato pode ser extraditado, por qualquer tipo penal. Isso não significa que fugiu para o Brasil, o criminoso está perdoado ou zerado. Haverá um trâmite próprio para a sua punição. Não significa tampouco que foi algum governo atual assim determinou. Veio com a Constituição de 1988.

Lúcio, sem demora, já conclui: se não pode extraditar, execute a sentença italiana logo. Bem, o ideal material tem que obedecer ao formal processual. Explica-se. Temos um ordenamento jurídico sobre cumprimento de decisões estrangeiras, temos diferentes caminhos para se aplicar uma penalidade. Tudo está pré-determinado, não há surpresa ou mudança de regras ao longo da partida. Assim, a Itália resolveu pedir a aplicação da penalidade via homologação de sentença estrangeira, cuja competência é do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Uma das primeiras medidas da Corte foi requerer a entrega do passaporte de Robinho, estando, assim, proibido de deixar o Brasil.

“A moralidade privada não pode violar um ordenamento jurídico prévio, nem mesmo um juiz pode decidir livremente, sem fundamentar na Lei”

É imprescindível uma análise da lei brasileira. A pressão popular e midiática sobre o STJ não pode sobrepujar a lei; afinal o Poder Judiciário é contramajoritário; ele existe num sistema de freios e contrapesos para aplicar a lei, e não para fazer política. Tempos precários em que encontramos insegurança jurídica em cada comarca deste país, a navegar sobre mares subjetivos de moralidade dos julgadores. Falar para um demandante hoje que ele está fundamentado na Lei é quase uma alienação. A cabeça do julgador, com sua vivência do que é justo, belo e bom, é que irá determinar o resultado, sem qualquer preocupação com as formalidades jurídicas processuais. O que vale é o jeitinho.

Lúcio nem me escuta. Pergunta: e o que isso tem a ver com o menino da Vila? Bem, para se executar uma decisão judicial penal italiana, tem-se que estudar a Lei de Migração (Lei 13.445/2017) ou eventual tratado de cooperação judiciária entre os países latinos. Especificamente, o artigo 100 da Lei citada expressamente não autoriza a transferência da execução da pena, quando não couber extradição executória. Ou seja, como Robinho é brasileiro nato, não cabe extradição; logo, não cabe transferência da execução penal. Quem diz isso não sou eu, meu estimado amigo Lúcio, mas a Constituição e a lei infraconstitucional em obediência.

Lúcio, que também se arvora um jurista, comenta que essa Lei de Migração é posterior ao fato; dessa forma, não se aplica à presente demanda. Justo. Lei penal não pode retroagir para prejudicar o réu. Apliquemos, então, o artigo 9º do Código Penal, o qual também não autoriza a homologação de pena privativa de liberdade. Voltamos à estaca zero.

Contudo, há uma saída: um acordo bilateral específico entre Itália e Brasil para autorizar a homologação da sentença estrangeira e da punição. Digo a Lúcio que temos, sim, esse tratado; porém, os dois países deixaram manifesto que em matéria penal “não compreenderá a execução de medidas restritivas de liberdade pessoal nem a execução de condenações”! Quem decidiu assim não foi o Brasil apenas, mas as duas soberanias. Para quem acredita que esse tratado é de algum dos recentes governos, não poderia estar mais equivocado. O tratado é de 1989, tendo entrado em vigor no Brasil em 1993. Portanto, ambas as nações são absolutamente cientes dos seus termos. A Itália sabia da impossibilidade de extradição e de execução penal de Robinho. Qual o motivo então de ter requerido e perdido tempo? Talvez por acreditar num jeitinho brasileiro de passar por cima da lei? Conjecturas apenas.

Caso o STJ decida pela homologação, poderá haver julgamento contra legem. Até o momento, às vésperas do julgamento capital, o STJ entendeu que os requisitos para a homologação estão corretos – sentença por autoridade competente, citação legal, oportunidade de defesa e contraditório, sentença transitada em julgado, sem ofensas à ordem pública e à soberania brasileira. Não há saídas tranquilas para as dúvidas lançadas. O que digo a Lúcio é que a moralidade privada não pode violar um ordenamento jurídico prévio, nem mesmo um juiz pode decidir livremente, sem motivar, sem fundamentar na Lei. As mudanças circunstanciais geram insegurança jurídica, e insegurança é o que não precisamos para punir e prevenir crimes como esse do Robinho.

* Professor e Advogado do escritório Jayme Rezende, com canal no youtube direito de prosa

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço

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