
08 de março, de 2024 | 12:00
Uma análise do caso Daniel Alves e o resultado de seu processo
Mayra Cardozo *
No dia 22 de fevereiro, todos ficaram sabendo que Daniel Alves foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão pelo estrupo de uma mulher de então 23 anos. A decisão, tomada pelo Tribunal de Justiça da Espanha, aconteceu exatos 399 dias depois da prisão preventiva do jogador, e 420 dias do crime.
O caso, que aconteceu em 30 de dezembro de 2022, iniciou com a ativação de um protocolo chamado No callem”, que auxilia vítimas de violência sexual no momento (ou quase) em que o crime acontece.
O segurança da boate Sutton, onde aconteceu o crime, foi quem acionou o protocolo. De acordo com ele, o sócio e o gerente da boate, a mulher não queria denunciar o crime por se tratar de um jogador famoso. Ninguém vai acreditar em mim”, disse.
O que a decisão contra Daniel Alves nos mostra? - É preciso analisar que este é um caso que percorreu em um sistema judiciário que visa ser mais acolhedor em relação às vítimas. A justiça espanhola trabalha em um sistema que preza por um olhar protetor para a vítima e uma preocupação com a não revitimização. Logo, quando olhamos para essa condenação, entendemos superficialmente que a justiça foi feita.
No entanto, é importante falarmos sobre quais foram os custos dessa justiça. Apesar de ser um sistema que tem a preocupação em não revitimizar. Durante todo o processo foi observado e analisado, a forma que a vítima estava dançando na festa, se ela estava alcoolizada ou não, qual a sua vida pregressa e se ela deu a entender que queria alguma coisa com o autor.
É inadmissível que, em casos de violência sexual, a vítima ainda seja olhada de forma persecutória, com um olhar de que ela, de alguma forma, tentou ou fez um convite” ao homem que a abusou sexualmente.
Sabemos que este é um olhar machista e enraizado na objetificação dos corpos femininos, uma vez que se tem a construção social de que o homem está na dele e a mulher, que simboliza o pecado, é que o atenta para cometer estes atos.
Essa é uma visão construída historicamente desde cedo e o sistema de justiça penal, independente se for o brasileiro ou espanhol, acaba tendo como natureza raízes machistas e patriarcais que continuam perpetuando essa lógica.
É inadmissível que, em casos de violência sexual, a vítima ainda seja olhada de forma persecutória, com um olhar de que ela, de alguma forma, tentou ou fez um convite ao homem que a abusou”
Os homens sempre se protegem? - É importante também refletirmos sobre a fixação da pena atribuída à Daniel Alves, que foi muito abaixo do que o pedido pelo promotor de justiça do caso. Ou seja, mesmo quando a vítima é escutada e sua versão validada, a pena pode não ser proporcional ao que deveria.
Neste caso específico, durante o início de todo o processo, a família do jogador de futebol, Neymar Jr, pagou uma multa de R$900 mil (150 mil euros) à Justiça espanhola, com o intuito de diminuir a pena de Daniel pela metade em caso de condenação.
É necessário saber que existe uma lógica por trás de que homens protegem homens e são cúmplices entre si. É um sistema doente, onde depois de todo o trauma vivenciado pela vítima, ela também passa por uma série de violências perpetradas pelo Estado, que olham para a sua vida antes do crime, a questionam sobre posturas que não deveriam ser questionadas e valoradas, se a justiça se atentasse apenas aos fatos da denúncia.
No momento em que a vítima quebra todos os obstáculos e é escutada, a pena acaba não sendo proporcional. Isso tudo porque existe uma lógica de companheirismo, de parceria, um pacto da masculinidade tóxica que está por trás de tudo isso.
A decisão, no caso de Daniel Alves, é um avanço considerando o cenário da justiça brasileira, mas também nos mostra que criar protocolos e leis que protejam não são suficientes. É preciso mudar as lógicas, e isso inclui a lógica da sociedade e a lógica dos operadores do Direito.
Precisamos ter um processo penal que seja garantista na perspectiva de gênero. E o que significa isso?
Todos os princípios garantistas visam garantir os direitos humanos dentro do processo penal. Eles devem olhar para a proteção da vítima em casos de violência de gênero e pensar na proteção da vítima, pautada na ideia de que a violência de gênero possui características peculiares e devem ser observadas quando estamos em meio a um processo penal em que ela está envolvida.
Com pequenos avanços, é esperado que um dia cheguemos em uma realidade ideal: em que a justiça irá olhar para a vítima sem procurar meios para justificar o crime ocorrido, e não haverá cúmplices que estejam dispostos a diminuir a gravidade de um crime.
* Mentora de Mulheres e advogada, especialista em gênero. Idealizadora do método alma livre criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos.
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Patrícia
08 de março, 2024 | 07:23Sensacional! Inquietações que tem uma pertinência e relevância para todas as conversas sobre direitos humanos.
Nessa perspectiva, tenho um grande pesar por não sermos tão interessados em aprofundar no assunto.
Me coloco nessa condição, pois se assim não fosse, saberia desse ABSURDO que Neymar se dispôs.
O dia internacional da mulher precisa ser lembrado e demonstrar avanços e retrocessos dessa nossa sociedade que revitaliza todo o tempo.
Parabéns Mayra! Proponho fazermos rodadas de conversa com grupos que se interessem em construir novos olhares sobre o tema. Conte comigo!”