07 de março, de 2024 | 11:00
Opinião: Ler, para quê?
Ana Rosa Vidigal *
Futuros profissionais do texto, que irão se diferenciar no mercado de trabalho, são aqueles que sabem ler. Foi o que li recentemente. E pode parecer óbvio; quem sabe escrever bem, como profissão, sabe ler (minimamente) bem também. Mas não é o que tenho observado em práticas acadêmicas em curso no país. Afinal, o que falta na leitura para quem tem a escrita como ganha-pão?
Em diversas situações de formação de futuros profissionais do texto, sejam jornalistas, publicitários, comunicólogos em geral, e mesmo futuros profissionais de gestão, educação, administração, economia, psicologia, direito... o que observo é um aparente descaso em relação ao que se lê, e, consequentemente, ao que se apresenta como resposta a uma solicitação escrita.
Em ambiente de sala de aula, essa defasagem é nítida. Pede-se algo que o aluno não alcança. Não porque não saiba a resposta de uma questão, por exemplo, pelo conhecimento de que dispõe. Mas, simplesmente, porque não lê direito a pergunta. Não se assume uma atitude responsiva realmente engajada com o que lhe é solicitado na escrita nessa maioria dos casos.
Para ler, é preciso foco. É preciso concentração. Algo simples, claro, se pensarmos na fração de segundos que um leitor fluente utiliza para detectar informação escrita, sobretudo se domina o assunto tratado, e o contexto em que ele se apresenta. Um detalhe, talvez, se pensarmos na infinidade de informações que pululam nas telas, virtuais ou não, que cercam nosso cotidiano. Mas é aí é que está a diferença, e, portanto, o diferencial.
O que observo é um aparente descaso em relação ao que se lê, e, consequentemente, ao que se apresenta como resposta a uma solicitação escrita”
Na performance de cada um, o nível de concentração de leitura, e por conseguinte, o entendimento do que se pede, pode ser medido pela reação: considerem-se a qualidade e a quantidade de perguntas que são produzidas posteriormente à leitura, para a compreensão de um enunciado. Coisas do tipo o que é mesmo que é para fazer?” ou me explica, que eu não entendi nada”, são comuns nesse ambiente de pronto-atendimento que todo processo de formação, acadêmica ou não, exige: se silenciar e ouvir o que o outro, no caso, o enunciado, tem a dizer.
E isso acaba virando um hábito. Hábito de não ler direito porque vai haver sempre um tutor da leitura própria, aquele sujeito que estará, não apenas orientando as atividades, ou seja, conduzindo a mediação autônoma do pensamento do formando, mas também traduzindo, ou ainda, mastigando a informação que deve ser processada.
Se há uma espécie de personal thinker para um aluno entender um enunciado, o que será desse profissional, que acredita que escreve bem, e com certeza pode até dominar determinados assuntos e estratégias da língua escrita, se não há autonomia suficiente para responder corretamente a uma questão por falta de leitura?
Quando uma criança aprende a ler, normalmente o que acontece é que a escola se predispõe a criar condições para desenvolver a competência leitora. Ouvir histórias é uma delas. É imprescindível, em uma educação de qualidade, que esse recém sujeito em formação seja um ouvinte antes de ser um leitor.
Ouvir histórias é fazer silêncio por dentro, é dar oportunidade ao outro, é exercitar a alteridade antes de mais nada. A contação de histórias é mais importante do que se imagina na formação do jovem leitor. E, posteriormente, pela prática de leitura de histórias, contos de fadas, poesias, parlendas cria-se a possibilidade, nesse jovem educando, entre outras coisas, de aguçar nele a vontade de ler por conta própria, ter acesso sozinho àquilo que ouve, e do que gosta de ouvir.
No adulto, não há a motivação lúdica para se aprender a ouvir. A não ser a sobrevivência do emprego, a empatia desenvolvida por alguns, a precisão de uma informação que só o outro tem. De todo modo, há autonomia do sujeito para compreender a importância do ouvir, claro, para sua inserção positiva nas práticas sociais. O sujeito, futuro ou já cidadão, que se prepara para o mercado de trabalho, não escolhe o que lê. Leia-se.
Porém, atualmente, parece necessário criar um complemento adverbial para leitura, para o ato de ler: ler direito, ler bem, ler com atenção etc. Ler apenas já não basta. Não soa suficiente para que se compreenda algo. Se isso era dito a crianças em fase de alfabetização, hoje é dito a jovens e adultos na escola.
Se o futuro já é, se o mundo não para, e se as habilidades e competências demandadas se aperfeiçoam de acordo com a complexidade das práticas do trabalho, há fundamentos que não podem ser negligenciados, como o silêncio ativo, base da escuta e da leitura eficazes. Diferenciar-se, nesse contexto, então, será (ou melhor, já é) uma questão de educação socioemocional que, lá no início da escolarização, pode ser incentivada e aprimorada.
Nessas leituras por aí, reconheci que muitas coisas valiosas da vida humana relacional são ensinadas na infância, a começar pelo uso de palavras como me desculpe, com licença, obrigada. Se a comunicação é uma eterna negociação de sentido, de pertencimento e de territorialidade, nada mais coerente do que fazer um lugar” dentro de si para a voz do outro. Em companhia que etimologicamente significa com quem se partilha o pão o caminho é escrito literalmente com mais vida.
* Professora, psicopedagoga e jornalista. Doutora em Língua Portuguesa pela PUC Minas e Université Grenoble III, França. Atua na formação de professores da Educação Básica e do Ensino Superior, e de gestores, líderes e equipes, ministrando palestras e cursos nos domínios da Educação, da Comunicação e do Socioemocional, suas interfaces nas relações humanas e na construção do vínculo.
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Grazielle
18 de março, 2024 | 21:45Realmente é um tema bastante relevante no cenário atual no que estamos vivendo. No âmbito escolar, uma "deficiência" na leitura/aprendizagem. Uma falta de interesse, erros ortográficos, enfim. E também percebemos até mesmo em adultos, profissionais, essa grande dificuldade na leitura e escrita. Precisamos como Educadores fazer o nosso papel de incentivo à leitura constante, não apenas ler, mas saber interpretar, ter gosto pelo que faz, e fazer com frequência.”
Antonio
09 de março, 2024 | 17:06A professora Ana Rosa Vidigal é uma das mais brilhantes colunistas deste jornal. Sucesso, Ana.”
Angela Passos
07 de março, 2024 | 13:46?timo texto para orientar pais de crianças em idade escolar . Ouço muitos pais queixarem dizendo que seus filhos não gostam de ler e não entendem o que leem.”
Jamília Lopes
07 de março, 2024 | 13:02Gostei demais do texto. Eu tenho pouca prática em fazer leitura, mas reconheço sua infinita importância, assim o pouco que consigo praticar, tento melhorar sempre. Este texto me despertou! Obrigada pela troca.”