26 de fevereiro, de 2024 | 15:48

Do medo da estreia e outros pavores...

Nena de Castro *

Subi no palco pela primeira vez, aos 8 anos e meio. Umas moças e senhoras animadas, lá no Tipiti, para ajudar a igreja, fizeram um espetáculo entre sketches humorísticos, cantigas lindas acompanhadas por violão e sanfona,  recitação de poemas e danças, folclóricas e portuguesas. Arranjaram um salão abandonado, limparam, arrumaram cadeiras, montaram um palco, costuraram cortinas e tudo o mais necessário a um show. Mamãe decidiu que eu devia recitar um poema, chamado “A Moedinha”. Ela sabia de cor e fazia com que eu repetisse os versos, até que aprendi tudo. Todos os ingressos foram vendidos e no salão cheio, Seo Januário anunciava os números: alguém cantou “Saudades de Matão”, uma senhora cantou “Kalu”, outra entoou ”Sertaneja”. Zé Mateiro caprichou no drama de “O Ébrio” de Vicente Celestino, Lino e Zé Manuel arrasaram com “ O Menino da Porteira’, sucesso que a gente ouvia na Rádio Record com Nenete, Dorinho e Nardele.

Alguns gritos, palmas, risos, aí entraram as moças do grupo da qual minha irmã Marlene fazia parte: estavam com flores nos cabelos, saias rodadas,  que cantaram:

“Quando durmo, tenho medo
 Que de noite me apareça
 Um saci ou um papão
                     Um saci ou um papão
 As demais entoavam:
“Do saci não tenho medo
 nem tampouco do papão.
Ele só existe na imaginação,
na imaginação”.

Ao cantar, faziam biquinhos de susto, fingiam tremer de medo, piscavam olhos assustados. E terminavam em círculo, uma segurando a mão da outra, dando ideia de união e força. No número final, uma morena bonita chamada Chiquita, de tranças enormes, vestido preto e xale florido, dançou e cantou:
  
“Eu sou uma portuguesa/ que canta lindos fadinhos/
Cheios de graça e beleza/saudosos e bonitinhos/
Minha guitarra querida, que canta e que faz chorares/
Belos fadinhos ouvi/ à branca luz do luar/ à branca luz do luar”.

Ela dava passos lindos, remexendo o corpo, o que fez com que sua saia que ia até o tornozelo subisse um pouco, mostrando quase até os joelhos.

Os rapazes assoviaram, Chiquita agradeceu e todos fomos para o palco mas as carolas ficaram escandalizadas e dona Durvalina falou grosso e alto que se soubesse que iam mostrar bunda de mulher, jamais teria ido! E saiu truvada no braço do marido Antenor, seguida por suas amigas defensoras da moral e bons costumes!

Ah, e eu? Bem eu me apresentei entre a dança do saci e do papão e Chiquita.  Anunciado meu nome, senti meu estômago desabar no chão, suei toda, queria correr e me esconder, mas trinquei os dentes e comecei a recitar o poema, a princípio em voz baixa, depois me firmei e a magia do palco me envolveu como uma onda quente e benfazeja.

Disso tudo aprendi que artista é incompreendido e sofre muito, afinal, a moça não mostrou nada e foi execrada! Contudo, ficou a paixão pelo palco, quando mais tarde, de volta a GV, escrevia meus próprios sketches e atuava neles ao lado das colegas do Instituto Imaculada Conceição, como pode confirmar a escritora Francirene Gripp (agora em BH), cúmplice de palco e poemas! Fiz a vovó em Chapeuzinho Vermelho e algumas outras peças para público infantil e levei minha experiência para as salas de aula sempre com ótimos resultados!

Só que tem uma coisa: tenho um medo danado, até hoje, dos Sacis Pererês, Bichos Papões, Mulas-sem-cabeça, falsos líderes religiosos e doidos extremistas que assombram nosso país nos dias atuais! E nada mais digo, a não ser: arreda, capetaaaaaaa!

* Escritora e encantadora de histórias

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